Paul Adler, Charles Heckscher e Laurence Prusak *
Quatro segredos para criar uma cultura de confiança e trabalho em equipe.
UM ENGENHEIRO DE SOFTWARE que chamaremos de James lembra vividamente o primeiro dia na Computer Sciences Corporation (CSC). A primeira mensagem que recebeu: “Ai vão suas Instruções” (sim, com “i” maiúsculo).
“Achei que estava trazendo o know-how de que precisava para fazer meu trabalho”, lembra James. “Mas, obviamente, você abre as Instruções e é informado de como fazer seu trabalho: como formatar o código, onde escrever o número de solicitação de alteração no formulário e por aí vai. Fiquei pasmo.”
Nessa divisão da CSC, o código não é mais desenvolvido por programadores isolados, sem nenhuma disciplina. Agora, todos seguem o Capability Maturity Model (CMM), um processo altamente organizado que James a princípio julgou burocrático demais: “Programador que sou, era bastante alérgico a toda essa papelada, pelo tempo que consome”.
Não é mais. “Hoje, entendo a necessidade disso”, diz. “Agora, sou apenas uma de 30 ou 40 pessoas que podem ter de trabalhar nesse código, daí precisarmos de um número de solicitação de alteração que todos possam usar para identificá-la. Vejo que as coisas ficam muito mais fáceis.”
Na CSC, James não estava se juntando nem a uma linha de produção em série de código, nem a um grupo de hackers autônomos, mas a um novo tipo de organização capaz de combinar o conhecimento de especialistas diversos — empresa que chamamos de comunidade colaborativa.
Uma comunidade colaborativa incentiva as pessoas a aplicar continuamente seus talentos singulares a projetos em grupo — e a ter, como motivação, uma missão coletiva, não só o ganho pessoal ou o prazer intrínseco da criatividade autônoma. Ao combinar um senso de propósito comum a uma estrutura de apoio, essas organizações estão mobilizando talentos e tarimba de trabalhadores do conhecimento em iniciativas flexíveis e altamente gerenciáveis de trabalho em grupo. A abordagem promove não só inovação e agilidade, mas também eficiência e escalabilidade.
Um número crescente de organizações — incluindo IBM, Citibank, Nasa e Kaiser Permanente — está colhendo os frutos de comunidades colaborativas na forma de margens maiores sobre o trabalho fortemente fundado no conhecimento (divisões da CSC que aplicaram o CMM com o maior rigor reduziram taxas de erro em 75% em seis anos e registraram um aumento anual de 10% na produtividade, ao mesmo tempo tornando os produtos mais inovadores e tecnologicamente sofisticados). Descobrimos que um sucesso tão inequívoco exige quatro novas iniciativas organizacionais:
• definir e criar um propósito comum
• cultivar a ética da contribuição
• desenvolver processos que permitam às pessoas trabalhar juntas em projetos flexíveis mas disciplinados
• criar uma infraestrutura na qual a colaboração seja valorizada e recompensada.
Nossas descobertas nasceram de vários anos estudando instituições com um histórico contínuo tanto de eficiência como de inovação. A obra de grandes nomes da sociologia — Karl Marx, Max Weber, Émile Durkheim e Talcott Parsons — também permeia nosso trabalho. Essas figuras clássicas estavam tentando entender amplas mudanças econômicas e sociais num momento em que o capitalismo migrava da produção em pequena escala para a indústria em grande escala. Nossa era representa uma transformação igualmente portentosa — no caso, a transição para uma economia fundada no trabalho e no trabalhador do conhecimento.
Um propósito comum
O sociólogo Max Weber apresentou quatro bases para as relações sociais, que, grosseiramente resumidas, seriam tradição, autointeresse, afeto e propósito comum. Naturalmente, o autointeresse está na base de tudo o que toda empresa faz. As grandes corporações industriais do século 20 também apelavam para a tradição para motivar as pessoas. E muitas das empresas mais inovadoras dos últimos 30 anos — Hewlett-Packard, Microsoft, Apple, Google e Facebook — tiram sua força de um forte e disseminado afeto por um líder carismático.
Ao focar na quarta alternativa — um propósito comum —, a comunidade colaborativa busca uma base para a confiança e a coesão organizacionais mais robusta do que o autointeresse, mais flexível do que a tradição e menos efêmera do que o apelo emocional e carismático de um Steve Jobs, um Larry Page ou um Mark Zuckerberg.
Assim como uma boa estratégia ou declaração de visão, um propósito comum eficaz articula como um grupo irá se posicionar em relação a concorrentes e parceiros — e que contribuição importante para clientes e para a sociedade irá definir seu sucesso. Na americana Kaiser Permanente, por exemplo, o “Value Compass” define sucintamente o propósito comum da organização: “Melhor qualidade, melhor atendimento, mais acessível, melhor lugar para trabalhar”.
Esse propósito comum não é a expressão de uma essência eterna da empresa — é uma descrição daquilo que todos na organização estão tentando fazer e norteia iniciativas em todos os níveis da Kaiser: a estratégia de negócios da cúpula da organização, o planejamento conjunto pela singular parceria entre gestores e trabalhadores na empresa, o trabalho de equipes em cada unidade para aprimorar processos. Nesse sentido, o Value Compass é menos uma visão do que um reconhecimento dos desafios que todo membro do grupo é responsável por enfrentar todos os dias (veja o quadro “Uma dança colaborativa na Kaiser Permanente”).
É comum um líder ter dificuldade para articular esse propósito, descambando para truísmos nobres (“Vamos maravilhar o cliente”) ou simples metas financeiras (“Vamos aumentar a receita em 20 % ao ano”). Com efeito, a definição de um propósito comum pode ser um processo longo e complexo.
Foi assim na IBM. Para reorientar o pessoal (focado, na década de 1990, em vender mainframes, o “big iron”), a empresa passou uma década cultivando uma noção comum — muito além da simples retórica — de soluções integradas e do foco em produtos e serviços “on demand”. Durante anos, a gerência média e o pessoal da área técnica tinham sentido dificuldade para formular esses conceitos em termos práticos. Não entendiam, no plano operacional, o que significava para a empresa oferecer não só seus produtos, mas os de outros fabricantes, e oferecer ao cliente não só o que a IBM tinha, mas exatamente aquilo que o cliente precisava, quando precisava. Hoje, esses propósitos comuns são parte do idioma usado todo dia por gente de setores e níveis hierárquicos distintos na IBM para enfrentar desafios juntos.
Corretamente entendido, um propósito comum é um tremendo princípio organizador. Peguemos o exemplo da e-Solutions, uma unidade de cerca de 150 pessoas criada em abril de 2000 no braço de gestão de caixa do Citibank para lidar com uma ameaça competitiva da AOL, cujos clientes já faziam transações bancárias, negociavam ações e investiam em fundos pela internet. Para enfrentar o desafio, o Citibank buscou elevar a taxa de crescimento de suas (vitais) operações de gestão de caixa e corretagem de 4% para cerca de 20%.
Mas essa era só a meta econômica. O propósito comum por trás da cifra era o desejo do banco de ser um líder na criação de novos (e complexos) produtos bancários online — produtos que pudessem ser rapidamente adaptados a necessidades do cliente. Para que tal propósito fosse plenamente entendido era preciso uma ampla discussão e uma noção comum da posição competitiva do banco no setor, da evolução das necessidades de clientes e dos recursos singulares da organização.
Um propósito comum não é o palavreado num cartaz ou num documento; tampouco é transmitido por pronunciamentos de um líder carismático. É algo multidimensional, prático e constantemente enriquecido em dicussões sobre problemas concretos. Logo, quando perguntávamos a gerentes da e-Solutions por que trabalhavam em determinado projeto, a resposta não era “Porque é meu trabalho” ou “Porque daí vem o dinheiro”. Falavam, isso sim, de como o projeto contribuía para um propósito comum.
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Artigo gentilmente cedido pela Revista Harvard Business Review Brasil (http://www.hbrbr.com.br/).
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