Congresso 2015

Congresso 2015

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Conversação com Laís Fraga Kauss


                                                                                                                 Yves Klein

Hoje trazemos uma entrevista realizada com a Procuradora Federal, Sra. Laís Fraga Kauss*, sobre estabilidade e eficiência na Administração Pública. A procuradora escreveu o artigo "Estabilidade Funcional e Eficiência no Serviço Público", publicado neste blog no mês de junho de 2012. Recomendamos que após a leitura desta breve entrevista, aproveitem para conhecer o artigo (leia o artigo).

UCRH: O conceito de estabilidade é basilar para a Administração Pública. Anseios de uns. Motivo de críticas de outros. O que é, afinal, estabilidade funcional?

L. Kauss: Estabilidade é uma garantia constitucional outorgada aos servidores públicos estatutários após três anos de exercício em cargo efetivo. Garante a impossibilidade de demissão sem prévio processo administrativo disciplinar, com respeito à ampla defesa e ao contraditório, em que se conclua por falta suficientemente grave para a punição em questão, ou decisão criminal transitada em julgado. A demissão é rara se considerado o total de servidores públicos existentes no país. O objetivo é garantir independência e autonomia no exercício da função pública, sem que se possa exercer pressão política externa. Todavia, acaba por também ocasionar efeitos negativos como falta de estímulo nos servidores, queda na produtividade, impunidade, insubordinação e desídia com a coisa pública.

UCRH: Quando e como surge o conceito de estabilidade na Administração Pública Brasileira? 

L. Kauss: O conceito aparece no ordenamento jurídico brasileiro pela primeira vez através da Constituição de 1934, em seu artigo 169, que dizia:

Art 169 - Os funcionários públicos, depois de dois anos, quando nomeados em virtude de concurso de provas, e, em geral, depois de dez anos de efetivo exercício, só poderão ser destituídos em virtude de sentença judiciária ou mediante processo administrativo, regulado por lei, e, no qual lhes será assegurada plena defesa.Parágrafo único - Os funcionários que contarem menos de dez anos de serviço efetivo não poderão ser destituídos dos seus cargos, senão por justa causa ou motivo de interesse público.

UCRH: Dos anos trinta até os dias atuais o instituto da estabilidade ganhou conotações distorcidas de seus objetivos. A senhora muito bem levantou: o objetivo da estabilidade é garantir independência e autonomia no exercício da função pública, criando condições para um desempenho técnico operacional isento de coações políticas. Contudo, estabilidade virou em muitos casos sinônimo de perpetuação no cargo. De um lado a administração não age contra ineficiência, por considerar que o fato do servidor ser estável dificulta qualquer ação administrativa. De outro lado o servidor estável considera que a sua estabilidade assegurará sua continuidade no serviço público até sua aposentadoria. Na visão da senhora, como podemos equacionar o instituto da estabilidade com a necessária eficiência da Administração Pública na prestação dos serviços ao cidadão?

L. Kauss: Acho que as ideias já existem e vão no sentido de investir em avaliações de desempenho isentas, sem a possibilidade de favorecimento ou prejuízos de cunho pessoal. O caminho é aproximar o controle do serviço público das experiências já usadas pela iniciativa privada, forçar o aprimoramento profissional dos servidores em todos os aspectos de conhecimento e de desempenho de suas habilidades. A acomodação na iniciativa privada significa demissão e também deveria ter o mesmo sentido na Administração Pública.

UCRH: A Emenda Constitucional nº 19/1998, trouxe elementos novos que combinam a necessária segurança e impessoalidade da ação do agente público, através do instituto da estabilidade, com a eficiência. O artigo 41 da nossa Carta máxima dispõe que o servidor público para obter a estabilidade, é obrigatório avaliação especial de desempenho; garante ainda que o servidor estável poderá perder o cargo mediante avaliação periódica de desempenho. Nota-se que existem elementos para uma boa gestão de gente, com foco a melhorar a eficiência dos serviços públicos, mas quando se aplicam estes elementos, e, portanto, há uma exoneração, a reintegração judicial é quase certa. Como lidar com esta situação?

L. Kauss: Acredito que a ideia é boa, mas a forma de aplicação não é impessoal e isenta. As avaliações para aprovação do estágio são feitas pelo chefe imediato do servidor e não se baseiam em critérios objetivos de desempenho. As análises envolvem critérios como urbanidade, relacionamento interpessoal, pontualidade, assiduidade. O fato é que, da maneira como é feita, a avaliação fica muito sujeita a opiniões pessoais dos chefes. E como avaliar de forma objetiva a assiduidade e a pontualidade se a maioria dos servidores não tem controle de frequência confiável? É raro, muito raro, que um chefe adote avaliações efetivamente rígidas contra um servidor em estágio e, quando adotam, são permeadas por critérios subjetivos. Enfim, na dúvida, o Judiciário prima e deve mesmo primar pela garantia da estabilidade do servidor que pode ter sido injustiçado. Repito, para uma avaliação isenta e digna de confiabilidade, é necessário que seja feita com base em critérios objetivos e, de preferência, de forma isenta, por pessoas não envolvidas no dia-a-dia do servidor, ainda que ouvido e considerado o parecer do chefe imediato.

UCRH comentário: A Sra. diz que as avaliações devem ser isentas e dignas de confiabilidade. A Profa. Lívia Barbosa, em seu livro “Igualdade e Meritocracia - a ética do desempenho na sociedade moderna”, apresenta resultados de pesquisa em que a grande maioria dos servidores públicos se mostram aderentes às ideias meritocráticas. O problema está exatamente na confiabilidade dos instrumentos e no despreparo dos gestores em bem avaliarem seus pares e subordinados, mesmo quando existem bons instrumentos à disposição. Conclui que elementos culturais dos brasileiros são intrusivos no sistema meritocrático existente no plano formal, o que dificulta uma boa aderência a programas desta linha.

UCRH: A Sra. acredita que a estabilidade fornecida pelo serviço público ainda é um fator que pesa na escolha profissional dos jovens?

L. Kauss: Sim, com certeza. Posso falar com mais propriedade sobre a minha carreira. A grande maioria dos Procuradores Federais recém-empossados é formada por jovens de menos de 35 anos de idade, que procuram, além do subsídio, a estabilidade do serviço público. O perfil dos jovens, infelizmente, está cada vez mais individualista e acomodado. Para um profissional receber o mesmo salário na iniciativa privada, ele precisa trabalhar 12/15 horas por dia, se submeter a uma perda de qualidade de vida considerável e ainda estar sempre correndo atrás de constantes atualizações e melhorias, caso contrário perde a vaga. No serviço público o esforço de manutenção não existe. O grande esforço resume-se a passar no concurso, depois é fazer o básico e ter os vencimentos no fim do mês. Infelizmente é essa a mentalidade que domina: fazer o mínimo, porque o salário está garantido.

UCRH: Então o que se deve buscar, acima de tudo, é a mudança de mentalidade? Formar novos ingressantes na função pública com foco no desempenho e na máxima “I will do my best”? Passa, portanto, por um processo de mudança cultural...

L. Kauss: Sim, também passa por essa mudança cultural, para que os novos servidores entrem com outro foco. As formas de controle de desempenho talvez sejam, portanto, uma maneira de provocar essa mudança.

_____________________________________
*Lais Fraga Kauss

Procuradora Federal. Procuradoria Federal Especializada junto ao INSS no Rio de Janeiro - Advocacia-Geral da União - Procuradoria Regional da PFE-INSS 2ª Região. Pós Graduada em Direito Constitucional – Universidade Estácio de Sá. Pós Graduada em Direito Público e Privado – Universidade Estácio de Sá – EMERJ. Graduada em Direito – Universidade Federal do Rio de Janeiro.


Um comentário:

  1. A estabilidade é a filha bastarda da impunidade no serviço público e ponto.

    ResponderExcluir

Esclarecemos que neste Blog, todos os comentários publicados são de total responsabilidade de seus autores e adotamos um sistema de monitoração dos comentários, a fim de evitar alguns tipos de constrangimentos. Sendo assim, o comentário não será publicado caso se enquadre nos seguintes casos:

- Mensagens não relacionadas ao Post.
- Mensagens com caráter depreciativo.


Agradecemos a participação,