Congresso 2015

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quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Liderança e Desempenho: o valor do feedback [Eugênio Mussak]


O valor do feedback

Silva, gerente de departamento de uma grande empresa, está com dois problemas: deve demitir um funcionário que não está rendendo o suficiente e deve tentar reter outro, excelente, que pediu desligamento.

Ao primeiro, ele diz: “João, você está conosco há 12 meses, mas até agora não mostrou a competência que esperávamos de você. Por isso a empresa está dispensando seus serviços. Lamento”. E ouviu de resposta: “Mas, chefe, há um ano que estou fazendo a mesma coisa e ninguém nunca me orientou que deveria fazer diferente. Por que vocês não me alertaram antes?”

Ao segundo, pede: “Carlos, gostaria que você reconsiderasse sua saída da empresa. Você está conosco há dois anos, estamos muito satisfeitos com você e estamos pensando, inclusive, em promovê-lo. Por que você quer sair?” E foi obrigado a escutar: “Porque recebi uma proposta melhor de outra empresa que ouviu falar de mim e ficou interessada. Eu até achei que não faria falta por aqui, pois nunca senti que meu trabalho fosse valorizado”.

São duas situações fictícias, mas com fortes componentes de realidade. Coisas parecidas acontecem todos os dias. João está sendo dispensado e Carlos está querendo sair exatamente pelo mesmo motivo: não receberam feedback do chefe enquanto trabalhavam na empresa. Silva precisa urgentemente rever seus conceitos de gestão de pessoas e, provavelmente, de relacionamento humano. Se pudéssemos perguntar para sua mulher, ela provavelmente também se queixaria de que o marido não reage às suas manifestações de carinho, e parece não se importar quando ela está fria e distante. Para ele tanto faz. Ele não sabe que, em qualquer situação, no trabalho ou nas relações pessoais, dar feedback é uma manifestação de respeito e de afeto. E é, antes de tudo, uma demonstração de inteligência interpessoal.

Traduzindo literalmente, feedback significa retroalimentar, ou seja, alimentar de volta, devolver a uma fonte qualquer que emite um estímulo parte do resultado desse estímulo. Isso serve para manter o sistema em funcionamento. Uma boa maneira de entender isso é conhecer um princípio simples do funcionamento do corpo humano. Nele, todas as glândulas endócrinas, produtoras de hormônios, são estimuladas permanentemente por uma “glândula mãe”, anexa ao cérebro, chamada hipófise. Ela produz, por exemplo, TSH, ou hormônio estimulante da tireóide. Sua função? Ora, estimular a tireóide, glândula que temos no pescoço, a produzir seu próprio hormônio, a tiroxina, que, por sua vez, é fundamental para manter o corpo em atividade metabólica, gerando energia e funcionando bem.

Como todos os hormônios são jogados na corrente sanguínea, a hipófise fica sabendo se a tireóide fez seu trabalho. Senão, manda mais uma carguinha de estímulo. Quando percebe que a outra funciona bem, diminui a produção do hormônio que a estimula. A esse sistema de controle permanente damos o nome de “mecanismo de retroalimentação” ou, simplesmente, feedback. Sem ele, o sistema endócrino, fundamental para garantir o funcionamento saudável do corpo humano, simplesmente não conseguiria exercer seus vários papéis. Ora, os grupos de pessoas funcionam como organismos. Suas partes devem se comunicar com qualidade, senão o grupo padece, adoece e morre ­ tende a se dissolver. E isso vale para empresas, amizades, namoros, casamentos.

Os educadores modernos condenam as escolas que se baseiam apenas no princípio do estímulo-resposta para ensinar a seus alunos as disciplinas do currículo e os comportamentos desejados pela sociedade. É necessário mais que isso. Precisamos desenvolver espírito crítico, capacidade de pensar, senso de valor. É verdade, mas mesmo esses educadores não desdenham os efeitos do reforço positivo. Trata-se do uso pedagógico do feedback.

Lembro-me de inúmeros casos que marcaram minha carreira de professor. Quando lecionava para o ensino médio, em quase todas as turmas encontrava um aluno que merecia mais atenção. Lembro-me de um em particular, o Leandro. Ele tinha um comportamento que irritava a todos; professores, funcionários e os próprios colegas. Era inquieto, desatento e desafiador. Eu já entrava naquela sala preparando-me para aborrecimentos. Com certeza ele aprontaria alguma que me obrigaria a dar mais uma lição de moral ou até a retirá-lo da sala. Só que um dia aconteceu algo diferente. Sem razão aparente, naquela aula ele teve um comportamento exemplar. Sentou na fileira da frente, prestou atenção na aula, fez perguntas pertinentes e até juntou, elegantemente, o caderno que uma colega havia deixado cair.

É possível que esse comportamento, para ele atípico, tivesse a ver com a matéria do dia, pois estávamos estudando ciclos ovulatórios, período fértil, assuntos que despertam o interesse dos jovens. Mas o que importa é que eu não perdi a oportunidade. Pedi ao Leandro que ficasse em sala no fim da aula, o que ele interpretou como sendo mais uma repreensão. Quando ficamos sós, olhei bem nos seus olhos, criei um suspense que durou alguns segundos e depois sorri, estendi-lhe a mão e elogiei seu comportamento durante a aula. De assustado ele se transformou em animado, e passamos a conversar sobre o tema da aula, sobre minhas experiências de vida e sobre as expectativas dele para o futuro. O resultado foi o início de uma profunda mudança de atitude do aluno-problema. O santo remédio foi o feedback dado no momento certo.

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Eugênio Mussak é educador há mais de 40 anos, escritor e presidente da Consultoria Sapiens Sapiens. Formado em Medicina na UFPR, com especialização em Fisiologia Humana, é professor da FIA-USP e da Fundação Dom Cabral, nas áreas de Liderança e Gestão de Pessoas. Atualmente é Diretor Científico da Associação Brasileira de Recursos Humanos e integrante do comitê de criação do Congresso Brasileiro de Recursos Humanos Conarh). É autor de vários livros, colunista das revistas Você S.A. e Vida Simples da Editora Abril e comentarista da Rádio Estadão ESPN.

Texto elaborado para o curso "Meritocracia e Gestão de Desempenho - e-learning", integrante do Programa de Aperfeiçoamento de Pessoal em Gestão de Pessoas e Recursos Humanos - PAP-RH.

Um comentário:

  1. O feedback não é apenas uma ferramenta, mas uma via importantíssima do conhecimento.

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