Programas muito carregados em mudança de cultura e paradigmas, como os vinculados à gestão do conhecimento e à inovação, não comportam o esquema receita de bolo que tão bem se aplica à grande maioria das tarefas rotineiras concebidas sob o patrocínio da sociedade industrial.
Não bastasse isto, a montagem de bulas infalíveis é inapropriada quando se fala de estradas novas e caminhos alternativos, ainda não percorridos o suficiente para que um GPS organizacional nos aponte, sem chance de erro, para onde ir.
De qualquer maneira, já existe um conjunto de práticas inovadoras no mundo governamental que se bem observadas nos dão pistas que podem ajudar os leitores que estejam de alguma forma envolvidos na complexa missão de enterrar práticas que estão impregnadas em nossas mentes há dezenas de anos, mas que já não dão as respostas esperadas.
O checklist que iremos propor advém da observação e coleta de alguns procedimentos e indicadores que têm estado presentes nos programas de gestão do conhecimento e inovação organizacional no setor público que deram certo, e que, ao contrário, foram desconsiderados nos programas que não obtiveram êxito.
Nossa experiência aponta que se esses passos não podem garantir com 100% de certeza o sucesso de um programa de gestão do conhecimento e inovação, sua ausência, na maior parte dos casos, significará o fracasso.
Lembramos, ainda, que a substituição de ambientes organizacionais que inibam a colaboração e a criatividade por outros que estimulem a geração e a circulação de conhecimento não serão fruto de ordens explícitas vindas da alta administração governamental. A ela caberá, sem dúvida, indicar prioridades e diretrizes para a inovação, mas a transformação do discurso inovador em prática inovadora ocorrerá de verdade na escola, na creche, no centro de saúde, e demais unidades prestadoras de serviço, que dependerão para isso de lideranças motivadas e qualificadas para transformar.
Com este espírito, alinhamos na sequência algumas dicas indispensáveis para lideranças empenhadas em tirar a gestão do conhecimento e da inovação do papel. Está claro que elas não esgotam o assunto. São antes, um convite à reflexão.
Seja transparente e tenha a ética como valor inegociável
O conhecimento tácito, o mais importante deles, ao perceber que tem mutreta no ar, volta para dentro da cabeça de seu proprietário e dificilmente dará as caras novamente. A inovação valoriza a experimentação e a negociação. Jamais ultrapasse a fronteira da ética.
Valorize a transdisciplinaridade considerando a participação dos cidadãos no processo
Os problemas do mundo contemporâneo não são passíveis de tratamento por uma só disciplina. A ideia de que só nós sabemos das coisas e o resto é bobagem está cada dia mais desacreditada. Monte equipes com os mesmos valores mas com visões bem distintas de como chegar lá.
Para além disso, não esqueça o valioso papel que os cidadãos podem ter neste processo, aportando a sua experiência enquanto usuários de serviços, por exemplo, e trazendo conhecimentos e experiências de muitos outros setores de atividade.
Referências: Capítulos II – Inovação depois da Nova Gestão Pública, V – Um Caminho para o Design de Serviços Públicos e VI – Práticas de Inovação em Gestão Pública
Monte um layout inclusivo
Não adianta ter quadros profissionais com diversos saberes se os mantivermos fechados em suas salinhas. Problemas complexos demandam ambientes abertos que permitam juntar as peças de um quebra-cabeças, que vistas isoladamente nada significam. Escolas, hospitais, postos de polícia só farão um bom serviço se tiverem a percepção de que os novos espaços de trabalho não se limitam a fronteiras físicas abrangendo, ao contrário, toda a comunidade na qual se inserem.
Referências: Capítulos III – Inovação Organizacional no Setor Público e IV – Gestão de Conhecimento e Redes e Ferramentas Sociais
Use a tecnologia como elemento inovador
Já ficou para trás a época que computador era só para aumentar a produtividade manual, ou seja fazer melhor e mais rápido um leque de atividades que antes eram processadas à mão ou por instrumentos de cálculo mais rudimentares. Embora ainda haja um amplo espaço para automação nestes moldes, a tecnologia hoje, dada a sua disponibilidade e facilidade de uso, é muito mais do que isto. Ela tornou-se um instrumento lúdico de estímulo à elevação da produtividade intelectual, que, no caso dos governos, deve se materializar pela viabilização de uma nova geração de políticas públicas, processos de trabalho e serviços ao cidadão. Se assim não for, corremos o sério risco de fazermos mais rápido, coisas que já não mais interessam.
No âmbito da tecnologia, considere a utilização de ferramentas sociais como forma de permitir a interação, a colaboração e a troca de conhecimento entre os vários intervenientes do processo de inovação. Perceba, porém, os pontos fortes e fracos de cada ferramenta social e encontre um equilíbrio adequado para atingir os fins desejados, respeitando simultaneamente o nível de preparação das pessoas.
Referências: Capítulo IV – Gestão de Conhecimento e Redes e Ferramentas Sociais
Use métodos e técnicas gerenciais que estimulem a inovação
A sensação de que o jeito tradicional de trabalhar está fazendo água, tem levado um número crescente de estudiosos a propor alternativas mais ajustadas à era do conhecimento, que instiguem o pensamento crítico, a visão compreensiva dos fenômenos e o trabalho em rede.
Entre estes métodos podem incluir-se as metodologias ágeis para gestão de projetos e a definição de um sistema para gestão de desempenho.
Referências: Capítulos VI – Práticas de Inovação em Gestão Pública
Estimule a criatividade
O processo de aprendizagem criado pela sociedade industrial nos levou a pensar que a criatividade era coisa para poucos. Esta visão, felizmente, está perdendo força. Criatividade se aprende, sim: basta usar métodos pedagógicos adequados. Recomendamos, aos nossos leitores, para aprofundar essa questão, que assistam ao vídeo do professor Ken Robinson (1).
Evite reuniões sem propósito
Estimular a troca de experiência não significa viver em reunião. Reuniões devem ser muito bem estruturadas com clareza de propósito, tempo de duração bem definido, que desaguem em “lições de casa” muito bem identificadas. Lembrem-se, reuniões de equipe são muito importantes para serem avacalhadas por um blá, blá, blá, sem fim.
Referências: Capítulo VI – Práticas de Inovação em Gestão Pública
Invista em capacitação contínua
Entenda que a capacitação, doravante, fará parte da “folha de produção” de qualquer governo que não queira rifar sua capacidade de entender a complexidade da sociedade contemporânea e como consequência perder representatividade. Não se esqueça, no entanto, de atrelar os esforços de capacitação aos problemas a serem tratados, lançando mão para isso de oficinas e workshops. Se negligenciarmos este fato, a qualificação tenderá a se descolar do mundo real, perdendo o impacto transformador pretendido.
Assim, sugerimos que (re)pense programas de treinamento contínuo que dêem resposta às novas demandas de conhecimento e modelos mentais, ao mesmo tempo que respeitam o contexto atual e tiram partido de novos canais e ferramentas.
Referências: Capítulos I – O Governo no Século XXI e III – Inovação Organizacional no Setor Público
Crie prazos para transformar ideias em produtos ou serviços concretos
Inovar não significa descompromisso com prazos. Ao contrário, o mundo contemporâneo demanda por produtos e serviços concretos que possam sair da prancheta a jato. Escolha metodologias colaborativas modernas como o design thinking, por exemplo, que possuem esse compromisso impregnado em seu DNA.
Referências: Capítulo V – Um Caminho para o Design de Serviços Públicos
Respeite a cultura da organização
A mudança acontece quando as pessoas começam a mudar seus comportamentos. Sem as pessoas nada se faz. Assim, é vital ouvi-las, respeitá-las, e respeitar a cultura em que atualmente estão inseridas.
Mas respeitar a cultura não significa ficar seu prisioneiro. Tome a cultura atual como ponto de partida e idealize a cultura desejada. Depois trace um caminho que, sucessivamente, vá criando choques suficientes para ir puxando a organização na direção que pretende, mas nunca tão grandes que criem resistências.
Referências: Capítulos I – O Governo no Século XXI e IV – Gestão de Conhecimento e Redes e Ferramentas Sociais
Trecho do livro "Dá pra fazer" – Gestão do conhecimento e inovação em governo. autores Roberto Agune [et al.] São Paulo : Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Regional, 2014.
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