Congresso 2015

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sexta-feira, 24 de abril de 2015

Entrevista com Amílton José Moretto


Entrevistamos Amilton José Moretto, professor da Unicamp - mestre em Economia Social e do Trabalho e Doutor em Desenvolvimento Econômico pela Unicamp. 
Participa de projetos de pesquisa nas áreas de políticas de mercado de trabalho, emprego, rotatividade de mão-de-obra, qualificação profissional, inclusão social e temas correlatos.



1) A palavra trabalho tem sua origem no latim tripalium – que é um instrumento de tortura.  O trabalho também já foi associado principalmente às pessoas que não tinham posses. Isso mudou? Qual o significado do trabalho hoje?
De uma forma geral, podemos dizer que o ser humano depende do trabalho para poder sobreviver. Quando o Homem se reúne em comunidades, ocorre uma divisão do trabalho entre os indivíduos que pertencem à comunidade. Nas sociedades contemporâneas essa divisão social do trabalho tornou-se muito mais complexa, com o desenvolvimento de atividades bastante especializadas (por exemplo: pesquisa nuclear, genética, etc.) que convivem com atividades que podem ser realizada por qualquer pessoa, como a atividade de limpeza. Em grande medida, as atividades que demandam um trabalho físico, braçal, são desprestigiadas, enquanto se valorizam aquelas atividades de cunho intelectual. Mas ambas são necessárias para o conjunto da sociedade. A grande questão é como garantir que as pessoas que não tiveram acesso a um trabalho de maior prestígio e, portanto, realizam um trabalho menos especializado, tenham condições de ter uma vida digna e confortável nos padrões civilizatórios que a sociedade atingiu.

2) O que podemos afirmar sobre o atual perfil do trabalhador brasileiro?
O mercado de trabalho brasileiro é marcado pelo seu passado escravista e por sua industrialização tardia. Isso levou a uma grande oferta de mão de obra pouco especializada, de baixa escolaridade e com baixa remuneração. Esse grande contingente de trabalhadores convive com um outro grupo menor de trabalhadores mais especializados, com maior escolaridade e com maiores oportunidades de encontrarem um trabalho com boa remuneração. Assim, temos uma grande diversidade de inserção no mercado de trabalho, com trabalhadores que estão empregados e contam com proteção social (por ex.: proteção da renda em caso de doença, acidente, etc.) enquanto outros trabalham por conta própria, em prestação de serviços pouco especializados para as pessoas ou famílias e que convivem com a insegurança permanente. Além disso, deve-se destacar a crescente participação da mulher no mercado de trabalho e, em boa medida, é no setor público onde elas encontram as melhores oportunidades de inserção. Essa maior participação da mulher no mercado de trabalho, também tem contribuído para elevar a escolaridade média do trabalhador, já que, em média, as mulheres têm mais anos de estudos que o homem, apesar de ter uma remuneração média menor, o que exemplifica uma das desigualdades do mercado de trabalho brasileiro.

3) Em tempos de crise, algumas ações do poder público que afetam diretamente o mundo do trabalho se fazem necessárias. Até onde é possível agir sem que haja retrocessos no que diz respeito aos direitos do trabalhador?
Em toda crise, a distribuição do ônus é uma decisão política. Não existe uma decisão "técnica" que atenda a todas as situações de crise, pois as sociedades são dinâmicas e mudam com o passar dos anos. As decisões tomadas pelo poder público refletem, em grande medida, na capacidade de mobilização dos diferentes segmentos sociais. Assim, numa sociedade democrática, e considerando as especificidades de cada momento de crise, a solução ou a saída da crise se dá de forma negociada, procurando-se proteger os segmentos sociais mais desprotegidos. Assim, as conquistas sociais dos trabalhadores podem ser preservadas, podendo-se, por exemplo, negociar o adiamento de reivindicações que não foram atendidas ou a forma de implementação dos direitos conquistados, de maneira a contribuir para a solução da crise e respeitando os direitos do trabalhador.  

4) Ao refletir sobre a área pública, pensamos que ser servidor público já "esteve na moda" e fora dela. As razões que levaram à atratividade do setor público no passado são as mesmas que levam à atratividade hoje?
Nas sociedades desenvolvidas, especialmente na Europa, depois da II Guerra Mundial, houve um crescimento do emprego público num ritmo muito superior ao do setor privado. Isso ocorreu pela maior necessidade de atuação do Estado nas sociedades contemporâneas desenvolvidas. Essa maior atuação se deu em grande medida pela ampliação dos serviços públicos de educação e saúde. A partir dos anos 1980 houve uma guinada conservadora que passou a criticar o excessivo tamanho do Estado, uma crítica dirigida essencialmente ao Estado de Bem-Estar social. Apesar das críticas e dos cortes nos gastos públicos, o Estado continua a ter um papel fundamental na sociedade contemporânea. Evidentemente, com o ataque ao Estado, o servidor público também foi atingido. No caso brasileiro, creio que há uma compreensão da sociedade de que o servidor público não trabalha, pois as coisas "não funcionam". Evidentemente, como em toda sociedade, e mesmo no setor privado, tem-se o trabalhador que faz "corpo mole", e esse comportamento acaba sendo tomado como o do conjunto dos servidores públicos. Apesar disso, acredito que o serviço público no Brasil é muito atrativo para o jovem que está entrando no mercado de trabalho, pois assegura estabilidade e proteção social, que muitas vezes no setor privado, mesmo nas ocupações em que remunera melhor, não se garante.
 
5) Um maior controle por parte da população, a velocidade das informações, a transparência, tudo isso vem aumentando a cada dia. Como isso se reflete no perfil do servidor público?
Creio que o servidor público, junto com suas entidades representativas, precisa participar com mais intensidade nas discussões das políticas públicas, para além das questões corporativas. Essa maior participação tem que ser no sentido de tornar as políticas públicas e o atendimento à sociedade mais ágeis e efetivos. As novas tecnologias são um instrumento importante para isso. Mas elas de nada valem se não existir um servidor qualificado e motivado para utilizar essas ferramentas de forma adequada para executar as suas atividades. Assim, penso que a melhoria dos serviços públicos está associada à maior transparência e participação social, mas isso também exige que o Estado prepare adequadamente o seu corpo funcional para que isso venha a ser efetivo.


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