Congresso 2015

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terça-feira, 22 de março de 2011

Fragmentos: breve comentário sobre a meritocracia.



Hoje pretendemos ensaiar um reflexão a respeito da meritocracia, voltando a atenção às suas formas institucionais no ambiente organizacional, em especial, do setor público. Não que consideremos haver diferença no tratamento a ser dado entre os setores públicos e privados, pois efetivamente não há. O enfoque no setor público se deve por ser um “ensaio” fruto de vivências ocorridas no interior de organizações públicas, com dados que refletem a realidade deste setor.
Trata-se, ainda, de um ensaio fragmentado que poderá ser continuado e preenchido com outros fragmentos, como uma colcha de retalhos que não comporá um todo uniforme. Sim, são reflexões fragmentadas e a escolha por este formato de exposição se deve a uma escolha estilística de construção de conceitos e pensamentos. A coerência unificadora do todo arruinada pela fragmentação (lembremos, Xáoç – Deus primordial da mitologia grega, que significa separar, cindir – não unifica, mas se fragmenta, e de sua cisão nascem Nyx (Noite) e Érebus (Escuridão), a invenção do mundo surge da fração).
Bem, seguindo os objetivos pretendidos, vamos tratar da meritocracia, regime da equivalência. Do latim, mereo: merecer, segundo aptidão. O seu princípio básico é premiar bons desempenhos; promover os empenhos individuais; hierarquizar pessoas socialmente segundo suas conquistas. Divide aquele que se empenha por um resultado, que busca crescimento, daquele que se acomoda em uma estabilidade. Garante que as conquistas são sempre mediante o mérito próprio do indivíduo. Quebra com as relações de costumes, hereditariedade ou apadrinhamentos.
Dentro das organizações, públicas ou privadas, cada vez mais o conceito de meritocracia está sendo abraçado. Para colocar em prática tal conceito os principais instrumentos sãos os processos de avaliação de pessoas e de desempenho institucional. Apesar de muito se falar das inovações trazidas por estes instrumentos meritocráticos é prudente relembrar que este conceito não é novo. Jefferson já afirmava que a sociedade deve seguir um princípio da meritocracia dos talentos: a cada um segundo os seus talentos.
Nas organizações públicas do Brasil o conceito de meritocracia aparece com a primeira Constituição brasileira, datada de 25 de março de 1824. No artigo 179, item XIV, constou:
“Todo cidadão pode ser admitido aos cargos públicos civis, políticos ou militares, sem outra diferença que não seja por seus talentos ou virtudes” (g.n) (BRASIL: 1824)
Neste momento, apesar de se delinear uma política meritocrática, esta não define as formas de se diferenciar os talentos. Este conceito foi sendo aperfeiçoado até, a Constituição de 16 de julho de 1934 que, institui o acesso universal, a todos os brasileiros, aos cargos públicos, mediante concursos de provas ou títulos.
O concurso público para ingresso em um cargo público é um dos primeiros instrumentos objetivos e gerais da administração pública para selecionar profissionais mediante a aferição de mérito próprio de cada um. Só é aprovado aquele que se esforça e se dedica a ampliar seus conhecimentos para ser aprovado no concurso. Este processo já está amplamente difundido e é o principal meio de acesso aos cargos públicos atualmente. O resultado dos concursos possuem legitimidade frente a sociedade e pouco se questiona a sua existência e seu método.
Atualmente, outros instrumentos estão sendo utilizados pelas organizações públicas para transformar o conceito de meritocracia não apenas em um instrumento de acesso ao cargo público, mas de manutenção, mobilidade funcional e gestão estratégica de pessoas. Os principais instrumentos são os programas de avaliação. Os métodos são muitos, citamos alguns: avaliação de desempenho, avaliação de competências técnicas, avaliação de desempenho institucional.
Estes programas apesar de conceitualmente serem tidos como essenciais para o bom funcionamento de uma organização pública por garantir transparência na tomada de decisões referente à gestão de pessoas, ainda são vistos com reticências pelos servidores públicos. Conforme destacou Barbosa (2003: p 61), “quase todos concordam, em tese, que o desempenho deve ser o principal, se não o único, critério de avaliação dos funcionários. Portanto, do ponto de vista representacional, as pessoas se dizem adeptas de uma meritocracia”. Contudo, destaca que a falta de confiança nos instrumentos e nos resultados apresentados levam ao descrédito dos sistemas de avaliação, considerando injustos os seus critérios. Assim, em uma cadeia lógica de raciocínio, os servidores acabam por considerar que a temporalidade, ou o critério de antiguidade, torna-se um mal necessário para minimizar as injustiças criadas por instrumentos que não garantem a exatidão dos resultados das avaliações de pessoas. Por fim, a autora conclui que a resistência na avaliação dos servidores reside também no descompromisso das chefias com esta prática, pois avaliar uma pessoa, além de não ser fácil e demandar tempo, esforço e requerer determinação para auxiliar o servidor a melhorar o seu desempenho, pode gerar insatisfação junto aos seus colaboradores.
Colaboradores insatisfeitos são empecilhos para o bom desenvolvimento das atividades diárias e para o clima interno da organização. As organizações optam, muitas vezes, por manter servidor com desempenho pífio, mas em um ambiente estável; não se arriscam criar uma equipe de alto desempenho, o que envolve instabilidade pelo menos no período transitório de mudança. Como ressaltou o físico Marcelo Gleiser, o preço do novo é o declínio da ordem, mas este declínio é essencial para o progresso. A falta do declínio da ordem mantém uma harmonia imobilizadora, um equilíbrio-fim, uma satisfação estagnadora. Resgatando Guimarães Rosa, o animal satisfeito dorme.
Continuando com a pesquisa realizada por Barbosa (2003) é preciso repensar os projetos de avaliação. Torná-los confiáveis e enfrentar o declínio da ordem inicial são um dos primeiros quesitos para conseguir obter o apoio daqueles que serão avaliados, além de ser requisito para legitimar as avaliações perante servidores, chefias e sociedade. Afinal de contas, a meritocracia já é um valor social amplamente difundido (BARBOSA: 2003).
Neste sentido uma meritocracia deve representar o interesse e obter a confiança destes três segmentos (servidores, chefias e sociedade), para alcançar seus objetivos. Portanto, afirmamos com Barbosa (2003; p. 33) que,
“o sistema meritocrático é uma exigência de uma sociedade democrática que, do ponto de vista dos princípios, garante a igualdade de oportunidade para todos (..). Na medida em que as nomeações, as promoções e o reconhecimento público recaem em indivíduos capazes, de competência reconhecida e comprovada, esse princípio é concretizado, pois as oportunidades estão abertas a todos e não se limitam a pessoas dotadas de relações pessoais e de parentesco ou possuidoras de status hereditário ou privilégios corporativos. (...) A meritocracia alia igualdade de oportunidades e eficiência na seleção de pessoas”

* * *

Este é o primeiro fragmento a ser continuado. Até os próximos fragmentos.

Referências citadas:
BRASIL. Constituição do Brasil de 1824. Disponível em < http://www2.senado.gov.br/bdsf/bitstream/id/137569/1/1824.pdf>.

BARBOSA, Livia. Igualdade e Meritocracia – a ética do desempenho nas sociedades modernas. Rio de Janeiro: FGV Editora, 4ª edição, 2003.

Um comentário:

  1. Sem embargo da importância do sistema meritocrático e das mudanças vivenciadas pelos servidores estaduais, há que se considerar ainda presente a limitação de oportunidades apenas a pessoas dotadas de relações pessoais. Amigos de longa data, servidores que há muito tempo encontram-se trabalhando na mesma repartição pública, concorrem de maneira desigual com pessoas de competência comprovada (penso que servidores que obtiveram êxito no último concurso de promoção possam ser considerados competentes). Creio que a mudança de atitude dos administradores que ainda insistem apenas em considerar as relações pessoais, haverá de demorar muito e não ocorrerá se não houver determinação no sentido oposto. Legislação que garanta oportunidades a todos e excluam as relações pessoais e os privilégios concedidos aos "amigos do rei", haverá de ser o modo de permitir o acesso de pessoas efetivamente competentes a cargos que efetivamente recompensem seu esforço. De nada adianta o oficial administrativo ser aprovado em concurso de promoção, subindo de referência em sua escala de salários, se o cargo de diretor, por exemplo, estiver ocupado por um "apadrinhado". Fantasia? Não, pura realidade. A mudança é absolutamente necessária.

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