Congresso 2015

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terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Permanência e Mudança [parte 1]




Prof. Dr.  Maurício Pagotto Marsola*

1. Tudo flui, escoa pelas mãos. 

Um dia de chuva na metrópole faz com que muitos de nós tenhamos a experiência de uma realidade comum: estamos sempre atrasados. Lutamos contra o tempo e temos a sensação de que ele escorre pelas mãos. São prazos e agendas, necessidades que devem ser satisfeitas imediatamente. Parecemos com aqueles garçons de bares muito movimentados: sempre estamos devendo alguma coisa a alguém. Esse escoamento veloz do tempo, no qual, para usar a imagem do poeta, as horas nos deixam apenas suas cinzas, produzem a experiência que muitos poetas, filósofos e literatos identificaram como a característica fundamental de nosso tempo: a aceleração do tempo. O tempo dos antigos, marcado pelos ciclos da natureza e pela alternância de dias e noites em seu ritmo próprio, foi substituído por uma temporalidade marcada pelo relógio, em outras palavras, uma temporalidade dominada, objetiva. 

De um ponto de vista existencial, podemos dizer que o tempo é propriamente o que constitui a vida humana, somos seres temporais, marcados por processos de amadurecimento e degenerescência, mortais, tal como os antigos se definiam. Assim, num poema fundador da literatura ocidental, a Ilíada, já podiam ser lidos os seguintes versos: 

As gerações dos mortais assemelham-se às folhas das árvores,
Que, umas, os ventos atiram no solo, sem vida; outras, brotam
Na primavera, de novo, por toda a floresta viçosa.
Desaparecem ou nascem os homens da mesma maneira. (Ilíada, VI, 146-149).

Entretanto, essa celeridade do tempo tornou-se uma característica de nossa época. Na virada do século XIX para o XX, pensadores como Baudelaire ou Nietzsche já apontavam para essa aceleração. A esse tempo, Nietzsche chamava de tempo da máquina: ele não permite reflexão, contemplação, mas exige ação e produção. Não há como escapar desse imperativo. Vale lembrar o célebre poema das Flores do Mal de Baudelaire, intitulado A uma passante, em que o poeta descreve o encontro casual com uma mulher entre a multidão da metrópole. Ambos estão andando e ele se apaixona instantaneamente por aquela passante, mas ela desaparece na multidão. O poeta diz que aquele teria sido o amor de sua vida, mas termina por apontar para a rapidez do encontro, que produziu sua impossibilidade. Ora, assim se passam as coisas na grande cidade, tudo passa, nada permanece. Empresas abrem e fecham, pessoas passam, se conhecem e se esquecem instantaneamente. “Tudo que é sólido se dissolve no ar”: a conhecida frase de Marx ganha um contorno novo, potencializada pelo advento da tecnologia e da virtualidade. 

A rapidez do tempo produz dois grandes vetores que são igualmente constitutivos de nosso tempo: o primeiro é a fugacidade e a dissolução dos valores, tal como Nietzsche havia dito, o homem moderno crê ora num, ora noutro valor, para, logo em seguida, deixar de crer. Trata-se da redução de todos os antigos valores a nada, sua substituição contínua, acelerada. O segundo elemento é aquilo que alguns filósofos existencialistas chamaram de angústia.  Trata-se de uma angústia que não pode ser curada por alguma terapia ou remédio, porque é uma angústia metafísica, constitutiva de nossa condição no mundo, na medida em que nos percebemos como seres temporais, tal como já cantava o verso da Ilíada há pouco citado. Sabemos que somos seres fugazes, mas aceleração do tempo produz uma mudança acentuada na vivência dessa angústia. Parece que nos deparamos com a ressurreição do antigo deus grego Cronos: imortal, todo-poderoso, inexorável, ele devora seus próprios filhos de maneira impiedosa. Por mais astuto e organizado que alguém possa vir a ser, não poderá escapar de suas mãos. Então, apesar de todas as inovações tecnológicas, de todos os recursos para nos organizarmos e produzirmos cada vez mais, de todas as astúcias da ciência para prolongar nossas vidas, nos deparamos novamente como o terror de Cronos. 

A fugacidade do tempo gera, ainda, dois elementos para os quais analistas como I. Ramonet, em sua Geopolítica do caos, chamaram a atenção: são eles a imaterialidade, característica do mundo virtual, e o imperativo do imediato, que gera, ainda, uma outra necessidade, a da novidade

Novidade, inovação, originalidade. Esses elementos parecem impor naturalmente a relevância de algo que será objeto de consumo, seja uma mercadoria, seja um projeto, seja uma forma de vida. Além disso, compreendemos, muitas vezes, a inovação como um começar do zero, como uma descoberta de algo surpreendentemente original. É muito comum ouvirmos que alguém foi genial porque inovou, revolucionou, instituiu o novo. Inovação que, muitas vezes, tornou-se salutar diante de dificuldades que pareciam insolúveis e que facilitaram a vida de todos. Mas isso também pode criar a ilusão da sedução da falsa originalidade.

Diante dessa necessidade de inovação, de mudança e de originalidade, cabe a pergunta: será que pensar ou construir algo, desenvolver um projeto, exige necessariamente a novidade, tomada em sentido absoluto? Não se pode inovar precisamente retomando uma tradição e elementos antigos? Para os adeptos do império do novo e do original, a resposta será negativa.  Entretanto, essa resposta não estaria viciada pela ansiedade provinda da angústia que o horror do tempo que escoa rapidamente produziu? 


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* Professor da UNIFESP.

Texto apresentado no 1º Congresso sobre Gestão de Pessoas no Setor Público Paulista, promovido pela Unidade Central de Recursos Humanos da Secretaria de Gestão Pública.

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