Congresso 2015

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quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Permanência e Mudança [parte 2]



Prof. Dr. Maurício Pagotto Marsola*


2. Inovação e tradição. 

Talvez uma diretriz para pensarmos a questão da inovação de um ponto de vista filosófico seja tentarmos compreender o que, a partir da modernidade, se compreendeu por novo, novidade, originalidade. Em um sentido mais geral e comum, sabemos que normalmente se compreende que o termo inovação quer dizer novidade, renovação, mas também revolução e nova ordem. De qualquer modo, nesse sentido mais comum, estamos diante do imperativo do novo. Um de seus signos na modernidade é a moda. Ela foi objeto da reflexão de alguns filósofos, tais como W. Benjamim, por exemplo, que tentaram estabelecer um diagnóstico da modernidade. Estar na moda ou fora de moda tornam-se exigências sobre as quais sequer refletimos, simplesmente seguimos. No entanto, para esse sentido comum de inovação e de moda, vale lembrar a frase irônica de Oscar Wilde: “a moda é uma coisa tão feia que a cada seis meses deve ser mudada”. 

Hoje, muitos pensam que inovar é substituir o antigo e instaurar o novo a partir do nada. A esse pensamento devemos propor algumas ideias gerais para reflexão: 

1. Primeira ideia geral: não há inovação sem tradição. Em outras palavras, sempre há um constante ressurgir do antigo no novo, assim como a seiva de uma velha árvore ressurge em seus novos frutos. Igualmente, cada geração acrescenta à outra seu trabalho. Como já indicou Thomas Khun na Estrutura das revoluções científicas, uma revolução instaura uma grande inovação, um novo paradigma, uma nova maneira de pensar o mundo, no caso das leis da física, por exemplo. Assim aconteceu com a grande revolução copernicana, que substituiu o sistema geocêntrico pelo heliocêntrico, assim com Newton, com Einstein. Mas nem Copérnico, nem Newton, nem Einstein teriam operado suas respectivas revoluções sem que houvesse um pano de fundo que criasse condições de possibilidade para que aquela revolução ocorresse. Não haveria revolução copernicana, por exemplo, sem toda a preparação realizada pela ciência medieval. É como um longo período de gestação. Em outras palavras, o novo se faz a partir do antigo e, para retomar um antigo princípio formulado pelos antigos filósofos gregos, “do nada, nada se faz”. Nesse sentido, podemos acrescentar ainda: 

2. Segunda ideia geral: Toda tradição é a somatória de longos processos de inovação e retrocesso, de modo que não existe tradição sem temporalidade, sem inovação. Inovar é próprio do humano, assim nasceram a técnica, as artes, o pensamento humano. Ora, estamos habituados a ver a história com as lentas dos filósofos iluministas do século XVIII. Uma das linhas mestras do Iluminismo é a ideia de que, ao fazer um uso autônomo da razão, agora sem a tutela da Igreja ou do Estado, a humanidade adquiriria sua maioridade e ingressaria numa fase de progresso contínuo, gerado pelo uso das luzes da razão. É assim que um filósofo iluminista como Condorcet, que escreveu um Esboço de um quadro histórico dos progressos do espírito humano, entendia sua época: ao fazer uso da razão, produzindo a técnica e avançando na ciência, a humanidade geraria um progresso infinito até chegar numa época em que os problemas não mais existiriam ou poderiam sempre ser solucionados pelo progresso gerado pela razão. Instaurou-se, assim, uma grande mitologia do progresso, mas a experiência de duas grandes guerras fez com que a consciência europeia recebesse uma grande frustração. A mesma razão que gera o progresso e a inovação, gera a barbárie.  A mesma ciência que produz uma vacina que salva mil pessoas, produz uma bomba atômica que extermina 1 milhão. Onde está o Progresso? Dessa pergunta, uma outra observação: 

3. Terceira ideia geral: Nem sempre podemos compreender inovação como evolução em sentido qualitativo. Estamos habituados a pensar sob o impacto do darwinismo, isto é, que a evolução é um aprimoramento da espécie mais forte, mais astuta. Por isso, mudar seria sempre melhorar. No entanto, esse pensamento é válido para o campo da biologia, da ciência da natureza, mas dificilmente pode ser adequado a pensar a história humana. Vale lembrar, nesse contexto, o antigo mito de Prometeu. Ele rouba o fogo de Zeus e traz aos homens a técnica, mas nesse mesmo momento, a humanidade passa de uma idade em que parecia não carecer de nada, era quase divina, uma idade dourada, para o campo da construção da própria história. Em outras palavras, toda inovação tem um preço a ser pago, que nem sempre significa melhoria. Para, então, pensarmos a relação interna entre tradição e inovação, é útil retomarmos um antigo conceito: 

4. Quarta ideia geral: a relação entre tradição e inovação é dialética. Não há dúvidas de que a palavra dialética faz parte do jargão filosófico.  Há algumas décadas atrás, tudo era dialético, para explicar uma determinada coisa, alguém sempre dizia “isso é dialético”. Era um signo intelectual, estava na moda. Mas agora que a dialética caiu em desuso, está fora de moda, posso usá-la à vontade. Esse termo possui muitas fontes filosóficas que não podemos analisar agora, mas chamo a atenção para duas formulações: 
a) A ideia de dialética provém da concepção formulada por um filósofo grego, Heráclito de Éfeso. É de Heráclito a conhecida frase, que muitos já devem ter ouvido: Não te banharás duas vezes no mesmo rio, pois suas águas não são nunca as mesmas e tu não és nunca o mesmo.
Ora, para Heráclito, o escoamento do rio é uma metáfora do escoamento da própria realidade, pois tudo que existe está sujeito à mudança. Nada permanece o mesmo, tudo muda, tudo flui como as águas de um rio. Tudo muda porque tudo está mergulhado nos rios da temporalidade. Tudo é constituído pelo tempo. Assim, nada é permanente, pois a permanência é uma ilusão criada pelos nossos sentidos. Ora, como nada permanece, tudo muda, então nunca podemos fixar a identidade de algo. Por esta razão, ninguém pode se banhar duas vezes no mesmo rio, pois o tempo já agiu sobre aquele que mergulha no rio pela segunda vez. O rio não é mais o mesmo e aquele que mergulha não é mais o mesmo.
Porque tudo está em eterno movimento, dado sua constituição temporal, tudo é devir, vir a ser contínuo. Cada coisa traz em si o seu contrário e gera seu contrário: o dia traz em si a noite, a noite, o dia; a semente traz em si a árvore, e a árvore, outra semente, que se transformará continuamente; a criança traz em si o adulto, o adulto o velho, o velho se infantiliza e se transforma em outro. E assim continuamente.
Logo, é o princípio de contradição permanente que Heráclito enuncia.
b) Um outro pensador importante na formulação do conceito de dialética foi Hegel, filósofo alemão do século XIX. Hegel retoma essas ideias de Heráclito para pensar a relação entre permanência e mudança: a dialética é o movimento contínuo do real e da história humana, pois cada realidade e cada período histórico traz em si o momento de sua afirmação, o princípio de sua negação e o momento de sua superação. Assim, por exemplo, acontece com a passagem do Império Romano para o Cristianismo, o Império trazia em si os elementos que gerariam sua superação, sua decadência e aniquilação, que são assumidos por algo novo: o Cristianismo e a sociedade feudal. Entretanto, o Cristianismo terá elementos do Império Romano, por exemplo, na organização da Igreja.
Logo, temos uma noção fundamental acerca do significado da dialética: todo processo, histórico ou vital, traz em si o momento de sua afirmação, de sua negação e de sua superação, mas sempre a superação é uma superação que conserva (Hegel usava o termo Aufhëbung = superação, suprassunção).
Logo, todo novo traz em si o antigo. Toda inovação traz em si a tradição, não podendo aniquilar seus elementos.
E, ainda, não há progresso no sentido qualitativo, na medida em que novo e antigo interagem na história da humanidade e de nossas vidas.
O termo dialética contém, ainda, a ideia de revolução. Mas qual o significado real de revolução em seu sentido dialético? Ora, a revolução é sempre uma momento de superação que conserva. Todas as vezes que se pretende começar do zero, serão conservados os momentos que se pensa terem sido superados.
Portanto, é nesse sentido que há pouco falávamos de uma dialética entre tradição e inovação. Nossa vida é regida por ciclos e dificilmente há rupturas bruscas que antes não tenham passado por um longo processo de gestação. A ânsia da originalidade deve respeitar, portanto, o tempo e seus ciclos constitutivos. 

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* Professor da UNIFESP.

Texto apresentado no 1º Congresso sobre Gestão de Pessoas no Setor Público Paulista, promovido pela Unidade Central de Recursos Humanos da Secretaria de Gestão Pública.

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