Congresso 2015

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terça-feira, 26 de março de 2013

Um modelo para compreender as possibilidades de desenvolvimento dos gestores públicos [parte 2]




HÉLIO JANNY TEIXEIRA
Doutor e Livre-docente em Administração pela FEA-USP e professor da mesma instituição.

SÉRGIO MATTOSO SALOMÃO 
Administrador pela FEA-USP e pesquisador da Fundação Instituto de Administração (FIA).




NECESSIDADE DE MODELO ABRANGENTE

Um esquema analítico útil para a compreensão do trabalho dos gestores foi desenvolvido por Campbell et al. (1970), que consideram que os estudos do comportamento administrativo têm procurado responder a questões como as seguintes: que tipos de pessoas são administradores eficazes?; ou qual o processo eficaz de administração?; ou ainda, quais são os produtos da administração eficaz? Em outras palavras, os estudos têm se concentrado na pessoa (traços desejáveis do administrador), no processo (o que fazem os administradores de sucesso) ou no produto (resultados da administração eficaz). Vários estudos sobre o trabalho administrativo têm falhado na tentativa de interligar pessoa, processo e produto, e têm analisado cada um desses elementos de maneira isolada. Para evitar esses problemas, os autores propõem o modelo visto na Figura 3.1 (CAMPBELL et al., 1970, p. 11):


Discutindo as implicações de seu modelo, os autores destacam a importância de considerar as diversas dimensões do trabalho administrativo e formulam questões-síntese a respeito do sucesso no desempenho do papel gerencial (CAMPBELL et al., 1970, p. 11):

Deveria ter ficado, agora, bastante claro que é incompleto falar apenas sobre traços pessoais condutores do sucesso administrativo ou apenas sobre os processos e resultados da boa administração. Todos os três devem ser considerados simultaneamente, e os efeitos ou influências moderadas dos diferentes ambientes organizacionais devem também ser incluídos. Em vez de perguntar “Quem será eficaz?”, ou “O que uma pessoa deve fazer para ser eficaz?”, ou ainda, “Quais os produtos de um administrador eficaz?”, devemos formular uma questão mais ampla e complexa: “Quais são as variedades de combinações de circunstâncias organizacionais, características pessoais e padrões de comportamento que compõem um processo de administração percebido como eficaz?”

Em outras palavras, o comportamento eficaz de um administrador é função de uma interação complexa de elementos: suas próprias características, as influências tanto das tarefas que deve executar como da organização e do ambiente externo em que está operando.

Tomando esse esquema como base, efetuamos algumas simplificações e elaboramos o modelo para entendimento do trabalho administrativo (Figura 3.2), adaptado do modelo ampliado dos determinantes da eficácia administrativa. A adaptação efetuada visa basicamente a simplificar a proposição dos autores, reduzindo-se o número de elementos caracterizadores do indivíduo e elevando-se o número de constituintes das demandas e do comportamento no cargo. Além disso, procuramos estabelecer uma diferenciação entre as influências organizacionais e aquelas externas à organização.



Antes de explicar cada componente do modelo e suas interações reafirmamos que o modelo serve apenas para orientar a compreensão do trabalho dos gestores, não tendo a pretensão de efetuar um esclarecimento pleno do assunto. As relações entre os componentes do modelo não são, na realidade, simples e unidirecionais, como mostra a Figura 3.2; a organização também influencia o ambiente externo, e assim por diante.

O significado de cada um dos componentes do modelo pode ser assim explicado:

1) Pessoa

É o indivíduo cujo desempenho no cargo e resultados da atuação estão sendo analisados. Em se tratando do trabalho gerencial, o indivíduo sob análise é alguém incumbido da gestão ou principal responsável por certa unidade organizacional, ou pela organização como um todo, no caso de tratar-se de seu principal dirigente. Suas características individuais, tanto emocionais como intelectuais, sem dúvida, influenciam significativamente seu comportamento no cargo.

É interessante notar, já que o modelo igualmente explica o trabalho não gerencial, que a atuação do próprio gerente também tem impactos sobre o trabalho dos subordinados, e até mesmo pares e superiores. Do ponto de vista dos subordinados, o gerente é, ele próprio, uma das influências da organização sobre seu trabalho.

O mesmo ocorre em relação a pares e superiores. E, nesse aspecto, o autoconhecimento pode ser de grande valia. Muitas vezes, a divergência entre pares decorre de diferenças de personalidade, formação, posição na organização e mesmo visão de mundo ou do setor. Se o grupo reconhece a existência de impactos de diferenças individuais sobre o relacionamento interpessoal, pode utilizá-la para a montagem de uma equipe equilibrada e que se complemente em termos de habilidades, experiência e mesmo personalidade. Uma vez conhecidos os pontos fortes e fracos de cada um, a tolerância mútua tende a ser estimulada e o potencial do grupo torna-se maior que a soma dos potenciais individuais.

Apoiando-se nesse modelo relativamente simples, o gestor pode procurar, numa reflexão solitária ou grupal, entender os pontos de vista de seus superiores, pares e subordinados, na busca de compreensão mútua e obtenção de uma visão mais ampla de todo o sistema, inclusive das carências que, ao menos em parte, podem ser supridas por programas de desenvolvimento e daquelas que dependem de outras políticas.

2) Exigências do cargo

O cargo é o principal determinante do que uma pessoa faz numa organização. A afirmação é mais forte ainda na área pública, com cargos criados por lei e admissões por concurso público, com exceção dos comissionados. As exigências do cargo incluem o conjunto de competências — conhecimentos e habilidades — que o ocupante deve ter ao desempenhá-lo.

Quanto aos cargos gerenciais, um dos principais focos quando se fala em formação para a gestão de pessoas em função de serem os “representantes da Administração” mais próximos das operações (sendo, portanto, os gestores de pessoas em sentido mais direto e imediato), muitas das exigências não surgem de maneira concreta ou claramente perceptível, em função do espaço discricionário necessariamente presente nos cargos gerenciais, uma vez que seus ocupantes, por definição, são responsáveis pela tomada de decisões. Esse efeito é multiplicado quando percebemos que todo “gestor” responde a outro “gestor”, o qual também tem seu espaço de decisão discricionária, em casos permitidos, mas não previstos, em lei e nas normas de suas organizações. Entretanto, quanto mais precisamente forem estabelecidas as demandas do cargo, maior será a possibilidade de se elevar o controle sobre o fator subjetivo no momento de treinar, desenvolver ou avaliar pessoas que o ocupam.

Na literatura sobre o trabalho do administrador, os autores, em geral, apenas descrevem os comportamentos dos ocupantes, sem identificar as exigências do cargo, ou são muito genéricos, prescrevendo comportamentos que satisfazem exigências do cargo, porém sem identificá-las claramente. As exigências do cargo são estudadas, em geral, por meio dos seguintes conceitos:
  • Relacionamentos: conjunto de contatos requeridos pelo cargo, com subordinados, pares, contatos externos etc.
  • Padrão de trabalho: maneira como as atividades são distribuídas pelo tempo em termos de sequência, tempo de duração, grau de repetição, origem (quem a origina: o próprio ocupante ou um terceiro?), urgência e previsibilidade.
  • Papéis (ou funções): forma de aglutinar as atividades do cargo em grupos de atividades, tendo em vista inter-relacionar a atuação do ocupante do cargo com o contexto em que opera.
  • Decisões: possíveis escolhas do ocupante do cargo. São classificadas de maneira variada, utilizando categorias como nível de abrangência das decisões, área de organização etc.
  • Processos controlados pelo cargo: fluxos diversos de trabalho, que ocorrem simultânea e sequencialmente, e que devem ser mantidos e controlados pelo ocupante do cargo. Esses processos incluem tanto o processamento de matéria-prima (processos de produção no sentido convencional) como processamentos financeiros (fluxos de fundos) e processamento de dados.
  • Competências ou habilidades específicas exigidas do ocupante do cargo: comunicação, negociação, planejamento, etc.

Como se pode notar, os conceitos empregados para identificar as demandas não são mutuamente exclusivos.



3) Influências da organização 

Nas influências organizacionais, devem ser incluídos conceitos como recursos humanos disponíveis ao administrador, a forma como esses recursos estão estruturados (hierarquia, departamentalização etc.), recursos financeiros, materiais e informações disponíveis e o modo como o administrador tem acesso a esses recursos (sistemas de autoridade e informações existentes etc.). A organização deve ser entendida como a unidade organizacional sob controle do administrador, podendo até mesmo ser a organização como um todo.

Um modo interessante e bastante integrado de avaliar os impactos da organização é a análise da coerência entre os resultados exigidos, ou esperados, da atuação do gerente e alguns elementos fundamentais do que poderíamos chamar de “microambiente” em que se insere seu cargo. Esses elementos fundamentais são:
  • poder de decisão adequado às responsabilidades do cargo;
  • estímulos compatíveis e recompensadores, tendo em vista os desafios da atividade;
  • recursos colocados à disposição do gestor, sejam eles físicos, humanos ou financeiros;
  • atividades claramente definidas em termos de limites ou área de responsabilidade no exercício do cargo ou função;
  • informações disponíveis para a tomada de decisões, em termos de quantidade, qualidade e rapidez.

A definição desses elementos fundamentais para o exercício das funções gerenciais e sua distribuição entre os cargos, via de regra, não é feita em uma única equação, de forma consciente. Resulta, geralmente, do processo natural de evolução da organização, sendo fruto de seu processo histórico de desenvolvimento, dos incidentes críticos vividos e dos valores que se consolidaram em sua cultura. Na prática, serão encontradas dispersas nas formas de articulação, encontradas como funções comuns, estas sim conscientes e sistematicamente desenvolvidas, em praticamente todas as organizações humanas: estrutura, planejamento, sistemas de informação, mecanismos de controle e procedimentos estabelecidos.

A percepção de insuficiência de recursos e rigidez na possibilidade de aplicação, num contexto organizacional pleno de restrições legais, exige esforços especiais do gestor público para que identifique e faça distinção entre restrições, obrigações e escolhas permitidas pelo cargo.

4) Influências do ambiente externo

O ambiente externo tem influência direta no impacto que a organização causa sobre seus cargos. Um fenômeno externo, como uma crise internacional, uma revisão orçamentária do governo, por exemplo, pressionará algumas pessoas a tomarem medidas corretivas.

Globalização, redes, internet e novas formas de aprendizagem e cooperação coletiva dão um novo significado para as relações entre as organizações e o ambiente externo. A exposição, porosidade das fronteiras e a compactação do tempo e do espaço são cada vez mais acentuados, independentemente da organização ser pública ou privada.

Podemos listar algumas mudanças que afetam diretamente o trabalho dos gestores públicos:
  • crescimento do volume e da complexidade do trabalho na organização;
  • elevação do número de especializações;
  • aumento da velocidade das mudanças;
  • aumento da necessidade de talento gerencial nos cargos de chefia;
  • aumento da dificuldade de coordenação.

5) Comportamento do cargo

Representa o que a pessoa faz no cargo, em função de suas próprias escolhas e das demandas e restrições a que está sujeita.

Campbell et al. (1970, p. 105) definem o comportamento administrativo eficaz como:
[...] qualquer conjunto de ações administrativas aceitas como ótimas para identificar, assimilar e utilizar tanto os recursos internos como externos, tendo em vista, em longo prazo, o funcionamento da unidade organizacional onde o administrador tem algum grau de responsabilidade.
Dessa definição, os autores tiraram as seguintes conclusões, dentre outras (p. 205):
  • a medida do comportamento eficaz deve ser de longo prazo;
  • o comportamento eficaz inclui diversas ações, e não apenas uma;
  • há diferentes combinações de ações que podem atingir o mesmo resultado;
  • o comportamento eficaz deve ser medido em termos daquilo que o administrador faz, de maneira a afetar a otimização;
  • o comportamento eficaz, mesmo quando medido apenas por aquilo que o administrador faz, está sujeito a um conjunto
  • de variações casuais, que inclui não apenas as qualidades do administrador, como também a natureza dos recursos humanos,
  • materiais e financeiros à sua disposição e à disposição do resto da organização.


6) Desempenho no cargo

O desempenho foi separado do comportamento no cargo e dos resultados atingidos porque, por um lado, pelo modelo adotado, o gestor pode ter um bom desempenho dentro das fronteiras estritas ao seu alcance sem que isso signifique resultados organizacionais favoráveis, em decorrência de circunstâncias fora de seu controle. Por outro lado, um desempenho inadequado pode coincidir com resultados favoráveis, pelo menos em curto prazo. É interessante, também, analisar o comportamento como categoria independente em função de sua importância na composição de grupos equilibrados. De forma geral, pode-se dizer que o desempenho no cargo representa uma avaliação da qualidade da atuação do ocupante do cargo administrativo, ou seja, quão bem seu comportamento se ajusta às exigências.

Campbell et al. (1970, p. 109) mostram que as medidas globais do comportamento eficaz (lucro, taxa de retorno, crescimento da organização etc.)
[...] não fornecem conhecimento sobre os diferentes níveis de eficácia administrativa na manipulação dos diversos problemas de alocação de recursos e assim, tacitamente, ignoram o complexo e cheio de facetas processamento de informações requeridas pelo cargo.
Os autores não advogam
[...] a dispensa de estimativas globais de eficiência administrativa, mas seu uso contínuo deve ser suplementado pela observação e registro sistemático do comportamento administrativo, de maneira tal que as relações entre comportamento no cargo e as medidas mais comuns de eficácia possam ser examinadas [...]. (p. 124)
De maneira que, para prever, desenvolver ou orientar o comportamento administrativo é necessário que ele seja definido e medido, o que nem sempre é fácil ou preciso, pois, como mostra Mlodinow (2008), no interessante livro O andar do bêbado, o acaso, ou a sorte, também são importantes na definição do sucesso em nossas vidas.

7) Resultados atingidos

São os resultados que indicam o desempenho da organização ou unidade(s) sob controle do administrador. Eles podem ser medidos em termos quantitativos ou não, como, por exemplo, crescimento do volume de serviços, qualidade dos serviços prestados, redução de custos, satisfação dos subordinados etc. Eficiência, eficácia e efetividade são indicadores cada vez mais utilizados para avaliar o desempenho das organizações públicas.

Nem sempre a relação causal entre comportamento no cargo e resultados atingidos fica evidente, pelo menos no curto prazo. Agravando essa situação está a dificuldade natural em desenvolver sistemas de medição, indicadores de desempenho e sistemas de coleta de dados confiáveis. Mesmo no longo prazo, apesar da importância da atuação do administrador, este não pode ser considerado o único responsável pelos resultados operacionais. Deve ser estabelecida, em cada caso, a parcela de responsabilidade do gestor, bem como sua contribuição nos resultados obtidos.

8) Informações quanto ao desempenho no cargo

A forma como o ocupante do cargo recebe informações sobre a qualidade de seu trabalho é fundamental para seu progresso. Há cargos cujas tarefas são concretas, e qualquer erro fica evidente ao próprio executante. Outros cargos dependem do estabelecimento de critérios e medidas próprias de desempenho e da comunicação das avaliações aos ocupantes, indicando-lhes as falhas e as ações dignas de mérito. Há, também, cargos que lidam com questões complexas, cujos efeitos só se mostrarão no longo prazo. Nesses casos, a percepção da qualidade do desempenho depende, ainda mais, da autoanálise do ocupante do cargo.

9) Informações quanto aos resultados atingidos

A maneira como o gestor percebe os resultados atingidos pela organização ou como terceiros a ele ligados entendem esses resultados também afeta o seu desempenho, mesmo que seja difícil efetuar uma correlação exata entre o seu comportamento no cargo e as consequências do mesmo para a organização. A atuação do gestor numa organização que está evoluindo e com prestígio crescente difere da de outro que está trabalhando em outra, considerada decadente. O primeiro enfrentará problemas de aplicação de recursos para expansão e provavelmente deixará de lado diagnósticos profundos de problemas internos, inclusive quanto ao próprio desempenho; o contrário provavelmente ocorrerá com o segundo dirigente, que poderá se voltar para um diagnóstico das dificuldades internas e questionar a própria atuação.


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Artigo extraído do livro "Contribuições para a Gestão de Pessoas na Administração Pública". 
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