Congresso 2015

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quarta-feira, 15 de maio de 2013

Jacarés, cadáveres e maldições



por Hamilton Coimbra Carvalho*


A esperança dos que querem mudança sempre se renova quando há alteração de comando nas organizações. Seja por meio de eleições, como no caso de associações e sindicatos, seja por meio da renovação da cúpula, como no caso de empresas e organizações públicas. Porém, passado algum tempo, é comum a percepção de que pouca coisa mudou ou de que as eventuais promessas ou intenções de mudança não conseguirão ver a luz do dia.

Qual a razão de tudo continuar como antes ou de pouca coisa de fato ser mudada na condução das organizações?

Dentre as razões comumente apontadas, há explicações de natureza quase mística e outras, mais pessimistas. No primeiro caso, fala-se, por exemplo, que existe um “buraco negro” na organização, que a todos e a tudo suga, impedindo que os novos líderes tenham tempo de respirar e de colocar em prática as mudanças almejadas. Fala-se às vezes, de forma bem humorada, em um poder misterioso que impede mudanças, geralmente associado com cadeiras ou salas. Por outro lado, dentre as razões pessimistas, geralmente são aventados argumentos ad hominem, criticando-se as pessoas, como se tudo se tratasse de uma falha moral ou de incapacidade dos novos ocupantes dos cargos.  


Duplos sistemas

Para entender por que é tão comum essa disparidade entre promessas e realidade, é preciso buscar socorro no conhecimento científico. Sabe-se que o comportamento humano é guiado, grosso modo, por dois sistemas: o Sistema 1, automático, intuitivo, rápido e muito sensível ao contexto e o Sistema 2, deliberado, lento e abstrato. Há evidência neurocientífica que mostra, inclusive, que diferentes áreas do cérebro são recrutadas para tarefas associadas com cada um desses sistemas.

Na maior parte do tempo, nosso comportamento é guiado pelo Sistema 1, que representa, na prática, o “piloto automático” que guia nossas ações cotidianas. Ele já foi até mesmo apelidado de o “Homer Simpson” que habita cada um de nós, porque é o sistema que entra em ação quando executamos aquelas atividades para as quais já não precisamos mais pensar – seja dirigir nossos automóveis, fazer compras habituais ou mesmo realizar atividades complexas, como jogar tênis, mas que já estão plenamente incorporadas à nossa vida após anos de prática. Um ponto importante a destacar é que nossos recursos cognitivos (em outras palavras, nossa energia mental) são limitados e escassos, de modo que todo comportamento delegado ao Sistema 1 representa, na prática, uma liberação desses recursos para outras atividades que exigem maior deliberação. Por outro lado, tudo que dependa de análise um pouco mais demorada ou que fuja da rotina envolve o chamado Sistema 2. É quando agimos sob esse sistema que nossos valores e crenças tendem a ter mais peso no nosso comportamento.

Qual é a implicação disso para uma eleição, por exemplo?

Quando o programa de uma campanha é feito, as pessoas envolvidas estão muito provavelmente se valendo de seu Sistema 2. Promessas bem intencionadas são feitas com base em estados futuros ideais, mais abstratos e que refletem as crenças mais profundas dos indivíduos que pleiteiam a mudança.

Porém, quando a eleição é ganha e chega a hora da verdade, isto é, da gestão, o Sistema 1 tende a fazer valer sua preponderância no nosso comportamento e rapidamente passa a guiar as respostas comportamentais dos envolvidos. É, como dito, um sistema muito sensível ao contexto e aos detalhes concretos da nova situação e, dessa forma, responde fortemente aos benefícios encontrados no ambiente. Um desses benefícios é, ironicamente, aquele que deriva da ausência de mudança. Mudar procedimentos e questionar a cultura organizacional exige tirar pessoas de sua zona de conforto. Exige ainda o emprego contínuo dos escassos recursos do Sistema 2. Dessa maneira, a manutenção do status quo, que sempre é o caminho mais fácil por resultar em menor sofrimento, tende a ser então favorecida.


Lutando contra jacarés

O professor Richard Jolly, da London Business School, lembra que um erro comum nas organizações é a preponderância do tático sobre o estratégico. Como explicado acima, não é difícil entender por que isso acontece, pois, na prática, estamos falando da preponderância do Sistema 1 sobre o Sistema 2. Para ilustrar o caso, o professor Jolly lembra um ditado da Flórida que diz que enquanto estamos lutando com os jacarés (aspectos táticos ou a rotina), é muito difícil lembrar que tínhamos ido drenar o pântano (aspectos estratégicos). Pior, lutar contra os jacarés nos dá duas boas sensações: a de estar sempre ocupados e a de ser produtivos.


Cadáver na sala de estar

Já o professor de Harvard John Kotter, especialista em liderança e mudança organizacional, afirma que se nenhuma mudança é feita nos primeiros meses nós nos adaptamos paulatinamente às práticas e à cultura organizacional herdadas. Segundo ele, a situação é similar à compra de uma casa que precisa de algumas reformas. Se essas reformas não são feitas nos primeiros seis meses após a compra, eles tendem a não ser feitas mais. Como a adaptação a aspectos bons e ruins da vida é um conhecido processo humano, com o tempo aquele “cadáver” na sala de estar passa a fazer parte da paisagem e sua retirada deixa de ser prioritária. Nas organizações acontece o mesmo fenômeno. Rituais, práticas e costumes herdados e que não são rapidamente questionados passam a ser paulatinamente aceitos e, com isso, o impulso da mudança rapidamente perde força e o status quo é reafirmado. Práticas que agregam pouco valor, ainda que superficialmente pareçam fazer sentido, ganham mais fôlego. Nesse sentido, uma pergunta que eu deixo aos meus leitores é: considerando aquelas práticas que consomem muito tempo e outros recursos na organização de seu interesse, qual foi o verdadeiro valor que elas trouxeram para as finalidades da organização nos últimos 5 ou 10 anos?      


Maldição do conhecimento

Um problema associado com os anteriores é a chamada maldição do conhecimento. Basicamente, ele se traduz por um paradoxo. Na medida em que ganhamos conhecimento sobre determinada situação, que é o que acontece na mudança da cúpula organizacional, passamos simultaneamente a perder a visão de quem está de fora e não tem aquele conhecimento. Assumir o comando de uma organização, familiarizar-se com os inúmeros procedimentos e atividades e executar as novas rotinas leva a uma grande acumulação de conhecimento, mas leva também à perda da visão inicial. A nova função passa a ser nossa segunda pele. Porém, o problema, muito comum nas organizações, é que quem está de dentro não consegue mais enxergar as mesmas situações e problemas do mesmo ponto de vista de quem está de fora ou não está envolvido diretamente com as atividades assumidas. É mais ou menos como o motorista de automóvel experimentado tentando ensinar um novato a dirigir. É o mesmo dilema enfrentado, por exemplo, por um presidente de empresa que precisa entender a cabeça dos consumidores de seus produtos. Sua visão está, na prática, irremediavelmente comprometida pela maldição do conhecimento. Desse modo, a gestão de qualquer organização é favorecida quando a visão dos públicos externos é considerada de fato, por meio de ferramentas organizacionais que inibam a ilusão associada com a maldição do conhecimento.

Duplos sistemas, a troca freqüente do estratégico pelo tático, a adaptação aos cadáveres da sala de estar e a maldição do conhecimento ajudam a explicar por que comumente existe um gap entre intenção e realidade nas mudanças organizacionais. Há algumas ferramentas organizacionais que ajudam a eliminar ou amenizar os problemas decorrentes da visão ainda incompleta que temos sobre o comportamento humano. Mas o primeiro passo é reconhecer que não há nada de místico nos problemas apontados: a ciência explica perfeitamente por que cometemos sistematicamente os mesmos erros de avaliação e execução. O ponto importante a ser lembrado é que o problema não está necessariamente nas pessoas envolvidas, mas na falta de conhecimento mais apurado sobre o comportamento humano e sobre ferramentas modernas de gestão.  

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* Hamilton Coimbra Carvalho, Mestre em Administração pela USP e Agente Fiscal de Rendas do Estado de São Paulo.

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