por Hamilton Coimbra Carvalho*
A esperança dos que querem mudança
sempre se renova quando há alteração de comando nas organizações. Seja por meio
de eleições, como no caso de associações e sindicatos, seja por meio da
renovação da cúpula, como no caso de empresas e organizações públicas. Porém,
passado algum tempo, é comum a percepção de que pouca coisa mudou ou de que as eventuais
promessas ou intenções de mudança não conseguirão ver a luz do dia.
Qual a razão de tudo continuar como
antes ou de pouca coisa de fato ser mudada na condução das organizações?
Dentre as razões comumente apontadas,
há explicações de natureza quase mística e outras, mais pessimistas. No
primeiro caso, fala-se, por exemplo, que existe um “buraco negro” na
organização, que a todos e a tudo suga, impedindo que os novos líderes tenham
tempo de respirar e de colocar em prática as mudanças almejadas. Fala-se às
vezes, de forma bem humorada, em um poder misterioso que impede mudanças,
geralmente associado com cadeiras ou salas. Por outro lado, dentre as razões
pessimistas, geralmente são aventados argumentos ad hominem, criticando-se as pessoas, como se tudo se tratasse de
uma falha moral ou de incapacidade dos novos ocupantes dos cargos.
Duplos
sistemas
Para entender por que é tão comum essa
disparidade entre promessas e realidade, é preciso buscar socorro no
conhecimento científico. Sabe-se que o comportamento humano é guiado, grosso modo, por dois sistemas: o
Sistema 1, automático, intuitivo, rápido e muito sensível ao contexto e o Sistema
2, deliberado, lento e abstrato. Há evidência neurocientífica que mostra,
inclusive, que diferentes áreas do cérebro são recrutadas para tarefas
associadas com cada um desses sistemas.
Na maior parte do tempo, nosso
comportamento é guiado pelo Sistema 1, que representa, na prática, o “piloto
automático” que guia nossas ações cotidianas. Ele já foi até mesmo apelidado de
o “Homer Simpson” que habita cada um de nós, porque é o sistema que entra em
ação quando executamos aquelas atividades para as quais já não precisamos mais
pensar – seja dirigir nossos automóveis, fazer compras habituais ou mesmo
realizar atividades complexas, como jogar tênis, mas que já estão plenamente
incorporadas à nossa vida após anos de prática. Um ponto importante a destacar é
que nossos recursos cognitivos (em outras palavras, nossa energia mental) são
limitados e escassos, de modo que todo comportamento delegado ao Sistema 1
representa, na prática, uma liberação desses recursos para outras atividades
que exigem maior deliberação. Por outro lado, tudo que dependa de análise um
pouco mais demorada ou que fuja da rotina envolve o chamado Sistema 2. É quando
agimos sob esse sistema que nossos valores e crenças tendem a ter mais peso no
nosso comportamento.
Qual é a implicação disso para uma
eleição, por exemplo?
Quando o programa de uma campanha é
feito, as pessoas envolvidas estão muito provavelmente se valendo de seu
Sistema 2. Promessas bem intencionadas são feitas com base em estados futuros
ideais, mais abstratos e que refletem as crenças mais profundas dos indivíduos
que pleiteiam a mudança.
Porém, quando a eleição é ganha e
chega a hora da verdade, isto é, da gestão, o Sistema 1 tende a fazer valer sua
preponderância no nosso comportamento e rapidamente passa a guiar as respostas
comportamentais dos envolvidos. É, como dito, um sistema muito sensível ao
contexto e aos detalhes concretos da nova situação e, dessa forma, responde
fortemente aos benefícios encontrados no ambiente. Um desses benefícios é,
ironicamente, aquele que deriva da ausência de mudança. Mudar procedimentos e
questionar a cultura organizacional exige tirar pessoas de sua zona de
conforto. Exige ainda o emprego contínuo dos escassos recursos do Sistema 2. Dessa
maneira, a manutenção do status quo, que
sempre é o caminho mais fácil por resultar em menor sofrimento, tende a ser
então favorecida.
Lutando
contra jacarés
O professor Richard Jolly, da London
Business School, lembra que um erro comum nas organizações é a preponderância
do tático sobre o estratégico. Como explicado acima, não é difícil entender por
que isso acontece, pois, na prática, estamos falando da preponderância do
Sistema 1 sobre o Sistema 2. Para ilustrar o caso, o professor Jolly lembra um
ditado da Flórida que diz que enquanto estamos lutando com os jacarés (aspectos
táticos ou a rotina), é muito difícil lembrar que tínhamos ido drenar o pântano
(aspectos estratégicos). Pior, lutar contra os jacarés nos dá duas boas
sensações: a de estar sempre ocupados e a de ser produtivos.
Cadáver
na sala de estar
Já o professor de Harvard John Kotter,
especialista em liderança e mudança organizacional, afirma que se nenhuma
mudança é feita nos primeiros meses nós nos adaptamos paulatinamente às
práticas e à cultura organizacional herdadas. Segundo ele, a situação é similar
à compra de uma casa que precisa de algumas reformas. Se essas reformas não são
feitas nos primeiros seis meses após a compra, eles tendem a não ser feitas
mais. Como a adaptação a aspectos bons e ruins da vida é um conhecido processo
humano, com o tempo aquele “cadáver” na sala de estar passa a fazer parte da
paisagem e sua retirada deixa de ser prioritária. Nas organizações acontece o
mesmo fenômeno. Rituais, práticas e costumes herdados e que não são rapidamente
questionados passam a ser paulatinamente aceitos e, com isso, o impulso da
mudança rapidamente perde força e o status
quo é reafirmado. Práticas que agregam pouco valor, ainda que
superficialmente pareçam fazer sentido, ganham mais fôlego. Nesse sentido, uma
pergunta que eu deixo aos meus leitores é: considerando aquelas práticas que
consomem muito tempo e outros recursos na organização de seu interesse, qual
foi o verdadeiro valor que elas trouxeram para as finalidades da organização
nos últimos 5 ou 10 anos?
Maldição
do conhecimento
Um problema associado com os
anteriores é a chamada maldição do conhecimento. Basicamente, ele se traduz por
um paradoxo. Na medida em que ganhamos conhecimento sobre determinada situação,
que é o que acontece na mudança da cúpula organizacional, passamos
simultaneamente a perder a visão de quem está de fora e não tem aquele
conhecimento. Assumir o comando de uma organização, familiarizar-se com os
inúmeros procedimentos e atividades e executar as novas rotinas leva a uma
grande acumulação de conhecimento, mas leva também à perda da visão inicial. A
nova função passa a ser nossa segunda pele. Porém, o problema, muito comum nas
organizações, é que quem está de dentro não consegue mais enxergar as mesmas
situações e problemas do mesmo ponto de vista de quem está de fora ou não está
envolvido diretamente com as atividades assumidas. É mais ou menos como o
motorista de automóvel experimentado tentando ensinar um novato a dirigir. É o
mesmo dilema enfrentado, por exemplo, por um presidente de empresa que precisa
entender a cabeça dos consumidores de seus produtos. Sua visão está, na
prática, irremediavelmente comprometida pela maldição do conhecimento. Desse
modo, a gestão de qualquer organização é favorecida quando a visão dos públicos
externos é considerada de fato, por meio de ferramentas organizacionais que
inibam a ilusão associada com a maldição do conhecimento.
Duplos sistemas, a troca freqüente do
estratégico pelo tático, a adaptação aos cadáveres da sala de estar e a
maldição do conhecimento ajudam a explicar por que comumente existe um gap entre intenção e realidade nas
mudanças organizacionais. Há algumas ferramentas organizacionais que ajudam a
eliminar ou amenizar os problemas decorrentes da visão ainda incompleta que
temos sobre o comportamento humano. Mas o primeiro passo é reconhecer que não
há nada de místico nos problemas apontados: a ciência explica perfeitamente por
que cometemos sistematicamente os mesmos erros de avaliação e execução. O ponto
importante a ser lembrado é que o problema não está necessariamente nas pessoas
envolvidas, mas na falta de conhecimento mais apurado sobre o comportamento
humano e sobre ferramentas modernas de gestão.
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* Hamilton Coimbra Carvalho, Mestre em Administração pela USP e Agente Fiscal de Rendas do Estado de São Paulo.
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