Congresso 2015

Congresso 2015

segunda-feira, 30 de março de 2015

Recadastramento: um instrumento a favor do servidor


Entrevistamos Maria Elisa Almeida Brandt, Especialista em Políticas Públicas e Doutora em Sociologia pela Universidade de São Paulo, para falar sobre a importância do recadastramento para as Políticas Públicas.

1) As estatísticas são essenciais para se pensar políticas públicas, inclusive algumas políticas voltadas à gestão de pessoas. Qual a importância das estatísticas para se propor uma política pública?
Toda política pública bem feita tem como objetivo ajudar a solucionar um problema ou melhorar determinada situação social. Para ser bem desenhado, o projeto de intervenção deve partir de um diagnóstico bem feito – é ai que entram as estatísticas: elas fazem um retrato mais claro e menos subjetivo da realidade em que se quer intervir.

 

2) No Estado, um forte instrumento para o levantamento dos dados numéricos é o sistema de recadastramento de pessoal. É possível afirmar que o potencial do sistema de recadastramento ainda não é totalmente aproveitado?
Sim, acho correta a afirmação. O sistema de recadastramento atualiza a cada ano a descrição qualitativa e quantitativa do quadro de servidores, gerando um banco de dados bastante abrangente. O conjunto de informações precisa ser analisado para que o Governo do Estado tenha uma visão geral mais clara de quem são seus servidores. Também são possíveis estudos mais específicos, que verifiquem eventuais problemas a serem tratados por políticas de gestão de pessoas.

3) Muitas vezes os servidores deixam de preencher alguns dos dados que seriam importantes para evidenciar a necessidade de determinadas políticas públicas. Quais são as possíveis razões para o não preenchimento?

É comum, entre as pessoas, a sensação de que algumas perguntas invadem demais nossa privacidade, como por exemplo, perguntar a cor ou a orientação sexual. Mesmo que seja compreensível essa reação, é preciso lembrar duas coisas. A primeira é que os dados pessoais são sigilosos, ou seja, importa para o setor público apenas o tratamento estatístico, e não saber de cada pessoa. A segunda, e mais importante, é que sem tais informações o setor público não conseguirá constatar problemas, ou descrever as características sociodemográficas dos servidores. Assim, a política de gestão de pessoas fica profundamente prejudicada. Vou dar um exemplo: quando em 2005 o Ministério da Educação começou a perguntar a cor ou grupo étnico-racial a que pertenciam os alunos, no Censo Escolar, houve muita polêmica, algumas pessoas achando que perguntar isso significava fomentar o racismo. Na verdade, a intenção do Ministério era justamente constatar sem sombra de dúvida as discrepâncias nos indicadores educacionais sobre raça e cor, para elaborar políticas que eliminassem a discriminação racial na educação.

4) Quais as conseqüências do não preenchimento ou de um preenchimento incorreto dos dados no sistema de recadastramento no que tange à gestão de pessoas?

As conseqüências, na minha avaliação, são graves, e prejudicam principalmente os próprios servidores. Sem conhecer a realidade ou as dificuldades enfrentadas pelos servidores, algo que o cadastro atualizado e correto permitiria, a área de gestão de pessoas do Governo do Estado fica prejudicada na sua capacidade de tomar providências para melhorar a situação dos servidores. Para dar alguns exemplos: o questionário de recadastramento pergunta se a pessoa tem interesse em adquirir imóvel próprio por programa governamental. Se muitas pessoas interessadas deixarem de responder a esta pergunta, o Governo do Estado terá a falsa impressão de que medidas que facilitem o acesso a programas de habitação não são prioridade para os servidores. Questões consideradas polêmicas, como, por exemplo, saber se a pessoa está em uma união homoafetiva, contribuem para dar visibilidade ao assunto e reduzir o preconceito contra a população LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros): políticas de gestão de pessoas têm como um dos objetivos melhorar os relacionamentos interpessoais no local de trabalho.

5) É possível apresentar algum exemplo de sucesso em que  os dados numéricos foram utilizados na tomada de decisão em políticas públicas relacionadas à gestão de pessoas?

Um ótimo exemplo é a Lei Complementar Nº 1.259, promulgada recentemente (de 15 de janeiro deste ano), que autoriza o Poder Executivo a instituir sistema de pontuação diferenciada para pretos, pardos e indígenas em concursos para cargos e empregos no âmbito do serviço público paulista. Os gestores envolvidos na elaboração da lei, usando dados do próprio cadastro, analisaram a proporção entre servidores brancos, pretos, pardos e indígenas (conceitos do IBGE) em alguns cargos públicos, e observaram que à medida que os salários dos cargos aumentavam (concursos mais disputados), diminuía a participação proporcional de servidores negros e indígenas. Essa nova lei parte da seguinte ideia: negros e indígenas estão tendo menos oportunidades que os brancos no acesso a cargos públicos com maior remuneração. É importante, para a melhoria do serviço público, valorizar a diversidade. Os servidores continuarão sendo selecionados por mérito, apenas com regras mais justas que reduzam um pouco a desigualdade de oportunidades.


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Esclarecemos que neste Blog, todos os comentários publicados são de total responsabilidade de seus autores e adotamos um sistema de monitoração dos comentários, a fim de evitar alguns tipos de constrangimentos. Sendo assim, o comentário não será publicado caso se enquadre nos seguintes casos:

- Mensagens não relacionadas ao Post.
- Mensagens com caráter depreciativo.


Agradecemos a participação,