Entrevistamos Maria Elisa Almeida Brandt, Especialista em Políticas Públicas e Doutora em Sociologia pela Universidade de São Paulo, para falar sobre a importância do recadastramento para as Políticas Públicas.
1) As estatísticas são essenciais para se pensar políticas públicas, inclusive algumas políticas voltadas à gestão de pessoas. Qual a importância das estatísticas para se propor uma política pública?
Toda política pública bem feita tem como objetivo ajudar a solucionar um problema ou melhorar determinada situação social. Para ser bem desenhado, o projeto de intervenção deve partir de um diagnóstico bem feito – é ai que entram as estatísticas: elas fazem um retrato mais claro e menos subjetivo da realidade em que se quer intervir.
2) No Estado, um forte instrumento para o levantamento dos dados
numéricos é o sistema de recadastramento de pessoal. É possível afirmar que o
potencial do sistema de recadastramento ainda não é totalmente aproveitado?
Sim, acho correta a afirmação.
O sistema de recadastramento atualiza a cada ano a descrição qualitativa e
quantitativa do quadro de servidores, gerando um banco de dados bastante
abrangente. O conjunto de informações precisa ser analisado para que o Governo
do Estado tenha uma visão geral mais clara de quem são seus servidores. Também
são possíveis estudos mais específicos, que verifiquem eventuais problemas a
serem tratados por políticas de gestão de pessoas.
3) Muitas vezes os servidores deixam de preencher alguns dos dados que
seriam importantes para evidenciar a necessidade de determinadas políticas
públicas. Quais são as possíveis razões para o não preenchimento?
É comum, entre as pessoas, a
sensação de que algumas perguntas invadem demais nossa privacidade, como por
exemplo, perguntar a cor ou a orientação sexual. Mesmo que seja compreensível
essa reação, é preciso lembrar duas coisas. A primeira é que os dados pessoais
são sigilosos, ou seja, importa para o setor público apenas o tratamento
estatístico, e não saber de cada pessoa. A segunda, e mais importante, é que
sem tais informações o setor público não conseguirá constatar problemas, ou
descrever as características sociodemográficas dos servidores. Assim, a
política de gestão de pessoas fica profundamente prejudicada. Vou dar um
exemplo: quando em 2005 o Ministério da Educação começou a perguntar a cor ou
grupo étnico-racial a que pertenciam os alunos, no Censo Escolar, houve muita
polêmica, algumas pessoas achando que perguntar isso significava fomentar o
racismo. Na verdade, a intenção do Ministério era justamente constatar sem
sombra de dúvida as discrepâncias nos indicadores educacionais sobre raça e
cor, para elaborar políticas que eliminassem a discriminação racial na
educação.
4) Quais as conseqüências do não preenchimento ou de um preenchimento
incorreto dos dados no sistema de recadastramento no que tange à gestão de
pessoas?
As conseqüências, na minha
avaliação, são graves, e prejudicam principalmente os próprios servidores. Sem
conhecer a realidade ou as dificuldades enfrentadas pelos servidores, algo que
o cadastro atualizado e correto permitiria, a área de gestão de pessoas do
Governo do Estado fica prejudicada na sua capacidade de tomar providências para
melhorar a situação dos servidores. Para dar alguns exemplos: o questionário de
recadastramento pergunta se a pessoa tem interesse em adquirir imóvel próprio
por programa governamental. Se muitas pessoas interessadas deixarem de
responder a esta pergunta, o Governo do Estado terá a falsa impressão de que
medidas que facilitem o acesso a programas de habitação não são prioridade para
os servidores. Questões consideradas polêmicas, como, por exemplo, saber se a
pessoa está em uma união homoafetiva, contribuem para dar visibilidade ao
assunto e reduzir o preconceito contra a população LGBT (lésbicas, gays,
bissexuais e transgêneros): políticas de gestão de pessoas têm como um dos
objetivos melhorar os relacionamentos interpessoais no local de trabalho.
5) É possível apresentar algum exemplo de sucesso em que os dados numéricos foram utilizados na tomada
de decisão em políticas públicas
relacionadas à gestão de pessoas?
Um ótimo exemplo é a Lei Complementar Nº 1.259, promulgada
recentemente (de 15 de janeiro deste ano), que autoriza o Poder Executivo a
instituir sistema de pontuação diferenciada para pretos, pardos e
indígenas em concursos para cargos e empregos no âmbito do serviço
público paulista. Os gestores envolvidos na elaboração da lei, usando dados do
próprio cadastro, analisaram a proporção entre servidores brancos, pretos,
pardos e indígenas (conceitos do IBGE) em alguns cargos públicos, e observaram
que à medida que os salários dos cargos aumentavam (concursos mais disputados),
diminuía a participação proporcional de servidores negros e indígenas. Essa
nova lei parte da seguinte ideia: negros e indígenas estão tendo menos
oportunidades que os brancos no acesso a cargos públicos com maior remuneração.
É importante, para a melhoria do serviço público, valorizar a diversidade. Os
servidores continuarão sendo selecionados por mérito, apenas com regras mais
justas que reduzam um pouco a desigualdade de oportunidades.
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