Congresso 2015

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terça-feira, 7 de junho de 2011

Integrando estratégias para potencializar a gestão de pessoas - Avaliação e Desenvolvimento de Pessoas [parte 2]

por Thiago Santos

MOVIMENTO 1

Apenas as questões mais inocentes são realmente sérias – Milan Kundera

(O improvável, o Caos e a desarmonia)

Nicholas Taleb, em seu livro The Black Swan, escreveu sobre o altamente improvável. A ideia central é simples e, por isso mesmo, impensável: o mundo e a vida não são regidos por regras coerentes, lógicas e determinantes. O título do livro provém do fato de até 1697, cientistas acreditavam existir apenas cisnes brancos, contudo, neste ano, descobriram a existência de cisnes negros na Austrália. Um evento improvável aconteceu. Uma certeza havia sido demolida. Segundo o autor, o acaso e o improvável são os principais atores dos acontecimentos que atravessam a nossa existência. Questiona, portanto, as previsões feitas posteriormente aos acontecimentos. Após um evento ter ocorrido é fácil criar conexões para dar uma coerência fictícia ao imprevisto – o imprevisto fica tão previsível depois de ocorrido[1].
O autor usa exemplos recentes para exemplificar o seu conceito de cisne negro. O mais exemplar talvez seja o do ocorrido em 11 de setembro de 2001, o ataque ao World Trade Center, nos Estados Unidos da América. Após o ocorrido não faltaram intelectuais, jornalistas e adjacentes, comentando sobre a previsibilidade dos acontecimentos. Todos muito bem preparados para argumentar sobre as possíveis ações preventivas que poderiam ter sido tomadas para evitar o ataque. Contudo, segundo o autor, estas previsões são anacrônicas e só são possíveis após o ocorrido. O mundo é muito mais imprevisível do que pensamos. O acaso, o xáoç (caos) e a imprevisibilidade são traços marcantes do mundo e da vida.
A física parte do mesmo princípio, apesar de buscar prever os eventos futuros. Segundo algumas correntes da física o mundo não é regido por uma unidade harmônica e unificadora. Ao contrário deste belo cenário que parece mais um conto de fadas, no qual a harmonia, no final das contas, reinará, o universo é caótico e “totalmente desequilibrado”, assimétrico. Esta não é uma leitura pessimista do mundo, pelo contrário, a vida só se tornou possível devido ao desequilíbrio.
“Assimetrias ao nível molecular têm um papel fundamental na origem e evolução dos seres vivos. Das macromoléculas orgânicas à reprodução celular, a vida seria impossível sem a imperfeição”.[2]
Segundo esta corrente da física, a vida teria surgido da não vida (mais especificamente de aminoácidos)[3]. Após a criação dos primeiros organismos, estes sofreram mutações ao longo do tempo; erros sucessivos e quebra da harmonia possibilitaram que a vida fosse se tornando cada vez mais complexa até chegarmos à vida como a conhecemos hoje em dia. Bem, pelo visto, o erro e a desarmonia não sejam tão ruins assim, seja até um impulsionador do progresso.
O importante não é tentar evitar o inevitável – seria perda de energia –, mas estar preparado para responder à altura. Assim os grandes estrategistas conseguiram alcançar os seus mais difíceis objetivos. A preparação de que falamos implica em reconhecer nossa incapacidade de comandar os eventos do mundo; implica ainda em transformar uma situação ou acontecimento não desejado em fator diferencial e oportuno para alcançarmos resultados de alto grau de agregação de valor, alto desempenho[4].


MOVIMENTO 2

Não é o momento que faz o homem, mas sim o homem que cria sua época – Oscar Wilde

(sobre a oportunidade e outros ventos)

Ob portus é o nome pelo qual os latinos antigos chamavam o vento que levava as embarcações do mar aberto ao porto. Cabe ao habilidoso comandante aproveitar o vento e seguir em segurança para o porto seguro, de preferência carregado de mercadorias.
“Por isso, oportuno é o que leva ao lugar seguro, ao destino adequado, à saída desejada; aliás, saída em grego é “êxodo”, o que gerou para vários idiomas a palavra “exit”, tanto saída como, também, “êxito”.
Ora, para se aproximar do êxito as oportunidades carecem de atenção e aproveitamento; como sabem os melhores velejadores, um vento oportuno não se espera, mas, ao contrário, se busca. Essa busca exige capacidade de ser audacioso (não temer a ação), sem cair na postura do aventureiro (ativismo inconseqüente)”.[5]
As oportunidades são o caminho para se obter êxito nas nossas ações. Contudo, como o vento na antiguidade, a oportunidade não se cria. Percebemos, avaliamos, buscamos e aproveitamos a oportunidade. Nós nos fazemos capaz e capturamos a oportunidade, utilizando-a a nosso favor.
O escritor canadense Malcolm Gladwell, em seu livro outliers (em português “Fora de série”), trata da oportunidade como fator diferencial e de sucesso de muitos dos chamados “talentos” de nossa sociedade. Segundo o autor, o fator preponderante para as pessoas de sucesso não são fruto, unicamente, do mérito individual. Sorte e oportunidade diferenciadas são cruciais para garantir que algumas pessoas se destaquem.  É importante observar o mundo que rodeia os homens de sucesso, sua cultura, sua origem, seus valores, seu momento histórico, até mesmo a data de seu nascimento.
Analisando as equipes de hóquei no Canadá, demonstra a existência de uma regularidade: a maioria dos jogadores que obtêm sucesso neste esporte, naquele país, nasceram nos meses de janeiro, fevereiro e março.
“(...) Mais jogadores haviam nascido em janeiro do que em qualquer outro mês, e por uma diferença esmagadora. O segundo mês de nascimento mais freqüente? Fevereiro. O terceiro? Março. Barnsley constatou que o número de jogadores da Liga de Hóquei de Ontário nascidos em janeiro era quase cinco vezes e meia maior do que o de nascidos no final do ano, em novembro. Ele investigou os dados dos times de primeira linha formados por meninos de 11 anos e 13 anos – atletas selecionados para as equipes de elite que viajam. A constatação foi a mesma. Analisou também a composição da Liga Nacional de Hóquei. Novamente, obteve resultados idênticos. Quanto mais pesquisava, mais motivos Barnsley tinha para acreditar que não estava diante de uma ocorrência casual, e sim de uma lei absoluta do hóquei canadense: em todos os grupos de elite desse esporte – os melhores entre os melhores -, 40% dos garotos aniversariam entre janeiro e março; 30%, entre abril e junho; 20%, entre julho e setembro; e 10%, entre outubro e dezembro”[6].
Pode parecer estranho a ligação entre mês de nascimento e o desempenho no hóquei canadense, mas a resposta é simples.
“A explicação para esse fenômeno é bem simples. Não há nenhuma relação com a astrologia nem nada de mágico envolvendo os três primeiros meses do ano. Simplesmente no Canadá a data-limite para se candidatar às ligas de hóquei por idade é 1º de janeiro. Um menino que faz 10 anos em 2 de janeiro pode, então, jogar com outro que não completará 10 anos antes do fim do ano – e, nessa fase da pré-adolescência, uma defasagem de 12 meses representa uma diferença enorme em termos de desenvolvimento físico”[7].
Ora, fica claro com esta passagem que os meninos nascidos nos primeiros meses do ano têm uma oportunidade diferenciada. Com isto, são privilegiadas na escolha para comporem as equipes de ponta, recebendo, desde cedo, forte atenção e treinamento, o que favorece um desenvolvimento muito superior aos demais. No final das contas, a oportunidade inicial ensejou novas oportunidades. Bastou agarrá-la e se dedicar para ser um diferencial dentre os demais.
O autor ainda disserta sobre as vantagens e oportunidades de Bill Gates[8], Bill Joy [9] e The Beatles. Para Gladwell existe uma regra das 10.000 (dez mil) horas. Após dez mil horas de prática – equivalente à 20 (vinte) horas semanais por 10 (dez) anos – uma pessoa adquire uma habilidade com a qual se sobressai aos demais. Algumas pessoas conseguem, por fatores diversos, obter as dez mil horas antes dos demais, obtendo uma vantagem natural que os destaca.
A banda inglesa The Beatles, segundo o autor, para ganhar o grau de qualidade conhecida e reconhecida pelo mundo todo teve de passar por um longo trajeto de mais de 10.000 (dez mil) horas de prática constante. Tocar, tocar e tocar. A oportunidade incrível e diferenciada obtida pelo quinteto[10] inglês foi um convite para tocarem em boates de striptease, em Hamburgo, Alemanha. Pode parecer estranho e controverso, mas é verdade. Muito antes de ficarem famosos Paul McCartney, John Lennon, George Harrison, Stuart Sutcliffe (baixo) e Pete Best, tiveram uma experiência que afetaria diretamente o desempenho posterior da banda. Tocar nas boates de striptease, em Hamburgo, garantiu um desenvolvimento musical incrível. Nestas boates tocava-se oito horas por dias, sete dias por semana. Nas palavras de John Lennon, citado por Gladwell:
“Melhoramos e ficamos mais confiantes. Isso foi inevitável com aquela experiência de tocar toda a noite. Ter uma platéia estrangeira ajudou também. Precisávamos nos esforçar ao máximo, colocar nosso coração e nossa alma naquilo para conseguirmos chegar ao fim.
Em Liverpool, só fazíamos sessões de uma hora e costumávamos apresentar nossos melhores números, sempre os mesmos, em cada show. Em Hamburgo, como tocávamos durante oito horas, precisamos realmente descobrir uma forma nova de fazer aquilo”[11].
Quando se lançaram ao mundo para o sucesso os Beatles já haviam computado mais de 10.000 (dez mil) horas de experiência musical. Já haviam feito versões cover de todo tipo de música e banda, acumulando uma bagagem musical invejável.
Enfim, conforme a hipótese de Gladweel, oportunidade e prática é o casamento perfeito para criar pessoas de sucesso – as quais eu prefiro chamar de pessoas de alto desempenho. O alto desempenho não é fruto exclusivo de grandes gênios, não é dom, mas virtude, uma virtude daqueles que buscam as oportunidades e as aproveitam, com muito trabalho duro, suor e dedicação. As lições deixadas são que podemos aproveitar melhor as pessoas e suas capacidades se conseguirmos colocar as pessoas no fluxo dos bons ventos, frente às grandes oportunidades, para que possam agarrá-las; e que é possível construir sua época – mesmo sendo a oportunidade independente da vontade das pessoas – basta, para isso, enxergar e aproveitar a oportunidade que surge.

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[*] Texto originalmente publicado no CD-ROM do IV Congresso CONSAD de Gestão Pública, ocorrido em maio de 2011.
[1] Lembremos da célebre frase registrada na véspera do dia 14 de julho de 1789 no diário de Luís XVI: “Hoje não aconteceu nada”.
[2] GLEISER, Marcelo. Criação imperfeita: Cosmo, Vida e o Código Oculto da Natureza. Rio de Janeiro: Record, 2010, p. 259.
[3] É muito estranho e instigante pensarmos que “um descendente de um aminoácido” está escrevendo estas linhas e outro está lendo.
[4] Sobre este assunto recomendo a leitura da Revista Harvard Business Review 89/4, Abril de 2011. Esta edição trás o “Erro em foco”. Em especial a leitura do artigo “Por que o líder não aprende com acertos” é interessante para discutir o papel de eventos aleatórios no mundo dos negócios. Esta reportagem, na minha visão, casa exatamente os dois primeiros movimentos deste artigo.
[5] CORTELLA, Mario Sérgio. Educação como oportunidade ao êxito: outros tempos, outros desafios. Disponível em: http://www.ucs.br/ucs/tplEventoUnti/extensao/unti/evento/download_palestras/educacao_oportunidade.pdf.
[6] GLADWELL, Malcolm. Fora de série: Outliers. Rio de Janeiro: Sextante, 2008, pp. 28-29.
[7] Idem, p. 29.
[8] Fundador da Microsoft, empresa criadora do sistema operacional Windows, o mais utilizado no mundo.
[9] Criador da linguagem UNIX para computador. Graças a sua criação foi possível que os computadores reduzissem o seu tamanho significativamente.
[10] A formação inicial dos Beatles era composta por cinco integrantes, a saber: John Lennon, Paul McCartney, George Harrison, Stuart Sutcliffe e Peter Best. Em 1961 Stuart deixa a banda. Um ano depois Peter também deixa a banda, dando lugar a Ringo Star, compondo o quarteto inglês, de Liverpool, que tomou conta do mundo.
[11] Ibidem, p. 52.

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