Lais Fraga Kauss*
2 O SERVIÇO PÚBLICO NO BRASIL
2.1 HISTÓRICO
O país surgiu como colônia extrativista de Portugal. Àquela época, portanto, não há que se cogitar em prestação de serviços públicos, já que o Poder Público só se apresentava para recolher riquezas, sem qualquer contraprestação ou responsabilidade.
Com a vinda da família real para o Brasil, surgiu o Brasil império e a estrutura pública foi forçosamente iniciada. Naquele momento, as funções eram distribuídas por confiança pelo Imperador, numa espécie de delegação, uma vez que o poder concentrava-se na figura do Imperador. Vejamos as palavras da Dra. Marlene Figueira [01]:
"Nos primórdios do Brasil Império, o desempenho das funções públicas acontecia através de delegação da autoridade, por tratar-se de modalidade de confiança. Não era observado o interesse do Estado, mas a vontade do Imperador, autoridade máxima daquele período. No entanto, a Constituição do Império já fazia constar em seu bojo a questão dos talentos e virtudes do candidato a ocupar a vaga.
O concurso público surgiu no país com a Constituição de 1934. Era exigido para os cargos iniciais dos que fossem organizados em carreira. O instituto tomou a forma atual na Constituição de 1967, sendo exigido para todos os cargos públicos, exceto os de livre provimento e exoneração, chamados cargos em comissão."
2.2 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
O artigo 37 da Constituição da República rege o seguinte:
"Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)(...)II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
Como se depreende do caput há cinco princípios previstos expressamente no artigo para vinculação das atividades públicas. Há vários outros ao longo do texto constitucional, vale mencionar, assim como alguns implícitos."
Vejamos as palavras do Dr. Eliziogerber de Freitas [02]:
"O concurso público é meio técnico posto à disposição da Administração Pública para obter-se moralidade, eficiência e aperfeiçoamento do serviço público e, ao mesmo tempo, propiciar igual oportunidade a todos os interessados que atendam aos requisitos da lei."
Na realização do concurso público, está a Administração Pública jungida aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, devendo, portanto, o edital ou regulamento do concurso observar tais princípios, especialmente o princípio da publicidade e da legalidade.
Analisemos aqueles que têm ingerência direta na questão da contratação de servidores públicos.
2.2.1 MORALIDADE
Trata-se de conceito controverso. Alguns preceituam ser uma legalidade substancial, outros a boa-fé e outros, ainda, a razoabilidade em consonância com o interesse público. Não há consenso. Seguem as palavras do Dr. Fernando Garcia [03]:
"Concepções assim tão variadas em relação a aspectos essenciais da própria definição da moralidade administrativa só poderiam conduzir a uma jurisprudência vacilante e a um Poder Judiciário desconfiado na sua aplicação. Muitos dos precedentes que tratam do assunto utilizam o princípio da moralidade administrativa como elogio da Constituição ou da lei, ou o aplicam de maneira secundária para resolver a questão controvertida, uma vez que há regra legal explícita; é o que ocorre, por exemplo, quando se fala em "princípio moralizador do concurso público" ou quando se afirma que a proibição de acumular empregos (art. 99 da Carta de 1.969) é derivada da moralidade administrativa ou que se deve a questões de moralidade administrativa a fixação da remuneração dos vereadores em cada legislatura para vigorar na subseqüente (art. 29, V, da Constituição, em sua redação original), evitando a legislação em causa própria."
Na jurisprudência brasileira, a moralidade administrativa enfrenta basicamente três correntes. Para a primeira, a moralidade serve para justificar o controle judicial do desvio de poder, portanto, será contrário à moralidade se for impossível ou ineficiente ou, ainda, se houver desvio de finalidade.
A segunda corrente vincula a moralidade à razoabilidade e ao interesse público. A terceira corrente, por sua vez, adstringe a moralidade ao dever de boa-fé.
2.2.2 PUBLICIDADE
Busca conferir transparência aos atos da Administração. Não é sinônimo de publicação, pois esta é o simples fato de estar estampado do Diário Oficial. Nas palavras do professor José Afonso da Silva [04]:
"A publicidade sempre foi tida como um princípio administrativo, porque se entende que o Poder Público, por ser público, deve agir com a maior transparência possível, a fim de que os administrados tenham, a toda hora, conhecimento do que os administradores estão fazendo."
Trata de dar conhecimento em sentido amplo e pleno dos atos administrativos e também de suas consequências. Nas palavras de Hely Lopes Meirelles [05]:
"Enfim, a publicidade, como princípio da administração pública abrange toda a atuação estatal, não só sob o aspecto da divulgação oficial de seus atos, como também de propiciação de conhecimento da conduta interna de seus agentes..."
2.2.3 LEGALIDADE
O princípio da legalidade é, além de uma obrigação, uma garantia a todos os administradores e administrados. Isso porque a subsunção aos critérios legais facilita em demasiado a decisão quando o ato é vinculado. Nas palavras do Dr. Bittencourt [06]:
"O Princípio da Legalidade é uma das maiores garantias dos administradores frente o Poder Público. Ele representa integral subordinação do Poder Público à previsão legal, visto que, os agentes da Administração Pública devem atuar sempre conforme a lei. Nas relações de Direito Privado é lícito fazer tudo o que a lei não proíbe, com base no Princípio da Autonomia da Vontade. Já com relação à Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza, isto está expresso no caput do artigo 37 da Constituição Federal de 1988. Assim, o administrador público não pode, mediante mero ato administrativo, conceder direitos, estabelecer obrigações ou impor proibições aos cidadãos. A criação de um novo tributo, por exemplo, dependerá de lei."
2.2.4 IMPESSOALIDADE
Significa que os atos emanados da Administração Pública devam ser oriundos do ente ou órgão de que o agente faça parte e, ainda, devem ser dirigidos à coletividade, sem privilégios ou restrições específicas relacionadas a características individuais. Vejamos as palavras do Prof. Celso Antônio Bandeira de Mello [07]:
"No princípio da impessoalidade se traduz a idéia de que a Administração tem que tratar a todos os administrados sem discriminações, benéficas ou detrimentosas. Nem favoritismo nem perseguições são toleráveis. Simpatias ou animosidades pessoais, políticas ou ideológicas não podem interferir na atuação administrativa e muito menos interesses sectários, de facções ou grupos de qualquer espécie. O princípio em causa é senão o próprio princípio da igualdade ou isonomia"
2.2.5 EFICIÊNCIA
Especialmente importante para este artigo, em que busca-se a relação entre o concurso público, a garantia da estabilidade e a qualidade da prestação dos serviços públicos, a eficiência foi deixada para uma análise mais aprofundada.
A eficiência era um princípio implícito até a alteração trazida pela Emenda Constitucional 19. Trata-se de óbvia consequência dos princípios da legalidade e finalidade, mas, em razão de sua importância, foi necessário explicitá-lo.
É conceito econômico que se relaciona à qualidade dos atos administrativos, uma vez que determina que os custos e os benefícios sejam avaliados antes de qualquer medida. Buscam-se os melhores resultados com os menores custos possíveis.
Nas atividades dos servidores que não geram recursos, mas prestam serviços públicos, a eficiência impõe celeridade, perfeição e rendimento funcional, com racionalidade e aproveitamento máximo dos recursos. Nas palavras do Dr. Meirelles [08]:
"Dever de eficiência é o que se impõe a todo agente público de realizar suas atribuições com presteza, perfeição e rendimento funcional. É o mais moderno princípio da função administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada apenas com legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros."
Vejamos o que diz o Prof. Cardozo [09]:
"Ser eficiente, portanto, exige primeiro da Administração Pública o aproveitamento máximo de tudo aquilo que a coletividade possui, em todos os níveis, ao longo da realização de suas atividades. Significa racionalidade e aproveitamento máximo das potencialidades existentes. Mas não só. Em seu sentido jurídico, a expressão, que consideramos correta, também deve abarcar a idéia de eficácia da prestação, ou de resultados da atividade realizada. Uma atuação estatal só será juridicamente eficiente quando seu resultado quantitativo e qualitativo for satisfatório, levando-se em conta o universo possível de atendimento das necessidades existentes e os meios disponíveis.(...)Desse modo, pode-se definir esse princípio como sendo aquele que determina aos órgãos e pessoas da Administração Direta e Indireta que, na busca das finalidades estabelecidas pela ordem jurídica, tenham uma ação instrumental adequada, constituída pelo aproveitamento maximizado e racional dos recursos humanos, materiais, técnicos e financeiros disponíveis, de modo que possa alcançar o melhor resultado quantitativo e qualitativo possível, em face das necessidades públicas existentes."
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*Lais Fraga Kauss
Procuradora Federal. Procuradoria Federal Especializada junto ao INSS no Rio de Janeiro - Advocacia-Geral da União - Procuradoria Regional da PFE-INSS 2ª Região. Pós Graduada em Direito Constitucional – Universidade Estácio de Sá. Pós Graduada em Direito Público e Privado – Universidade Estácio de Sá – EMERJ. Graduada em Direito – Universidade Federal do Rio de Janeiro.
*Artigo originalmente publicado na Revista JUS Navigandi e autorizada a publicação pela autora.
O Problema é que o serviço público está estigmatizado como um lugar que só tem pessoas que não fazem nada. As imoralidades que andam acontecendo por nosso Brasil, fazem com que a população de um modo em geral deixe de acreditar que pode-se fazer e ter um serviço público de qualidade.Claro que os servidores também devem colaborar para acabar com esse estigma. Vejamos o Poupatempo é um serviço que deu certo e que se quisermos podemos muito.
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