Congresso 2015

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quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Gestão do Desenvolvimento e da Requalificação Profissional





MARISA EBOLI
Professora da FEA-USP



1.      Introdução

Dentro de um contexto de turbulência e alta competição que caracteriza a nova economia, a educação corporativa tornou-se uma ferramenta crucial para aumentar e consolidar a competitividade.

O papel fundamental da educação tem sido abordado por educadores, empresários e outros segmentos interessados em refletir sobre os desafios que se impõem à realidade brasileira, para que se possa atingir um grau de competitividade e modernidade compatível com as exigências do mercado global. Importante relembrar as sábias palavras de Bernardo Kliksberg (BID, 1999):

"Atualmente na América Latina, todos os olhares estão postos na educação. A educação deixou de ser um aspecto marginal da realidade. Está no centro do cenário histórico e político da América Latina, tanto em termos de expectativa da opinião pública quanto em termos de decisão... A educação sempre teve legitimidade morai [...] A educação tem legitimidade política obviamente [...} Mas existe atualmente uma oportunidade histórica. A educação tem atualmente legitimidade macroeconômica e isso se agrega às outras legitimidades, e, em um mundo tão pragmático como o que nos tocou no final do século XX, isso tem peso."

O desenvolvimento econômico e empresarial de um país há muito deixou de se basear na produção e exportação de produtos primários e intermediários, de baixo valor agregado, para se apoiar, cada vez mais, na capacidade de as empresas desenvolverem soluções originais. Este novo cenário envolve a geração e sustentação de instituições, empresas e indivíduos, capazes de transformar o conhecimento existente em negócios e, conseqüentemente, em crescimento econômico e social.

Essa transformação renovou e deu mais qualidade e consistência ao debate sobre a necessidade de o Brasil adotar ou não uma política industrial. Esta questão tem sido central para discutir alternativas para um programa de governo. Uma das propostas mais inovadoras — e ao mesmo tempo polêmicas — foi a de que a melhor política industrial que o país pode adotar é investir os parcos recursos públicos em educação, ao invés de subsidiar setores industriais.

Estamos vivendo um processo de importantes e intensas mudanças no campo educacional, e evidencia-se a necessidade urgente de se integrarem os esforços na esfera pública e na privada, para a formulação e a viabilização de práticas educacionais adequadas e modernas com o objetivo de capacitar a força de trabalho, e assim aumentar a capacidade de competição na esfera internacional.

No Brasil, presenciamos um movimento, talvez sem precedente na nossa história, no sentido de qualificar e educar os trabalhadores para elevar os patamares de desempenho das empresas.

No intuito de criar uma alternativa de alta qualidade, elevada flexibilidade, focada nas necessidades dos diversos setores produtivos e de custo acessível aos interessados, surgiu a idéia de desenvolver projetos de educação setorial, dos quais participam, em consórcio, empresas, universidades e outras entidades de ensino. Esta visão completa-se com um trabalho de educação continuada que possa inclusive contemplar a presença de competidores em um mesmo processo de capacitação.

Tais projetos fundamentam-se no conceito ampliado de educação corporativa ou universida¬de corporativa, para atender a diversas empresas de um mesmo setor produtivo, o que lhes confere uma condição de uma "universidade setorial". A idéia é uma solução muito apropriada principalmen¬te para as micro e pequenas empresas que não dispõem sozinhas de condições de investir numa es¬trutura de capacitação. Devido à sua escala, as universidades setoriais podem viabilizar propostas de educação hoje praticamente inacessíveis para muitas empresas desse porte.

Capacitação de pessoas como fator de competitividade empresarial

Educação é um tema que interessa a todos os setores da sociedade, inclusive o corporativo, e está na agenda de todas as empresas empenhadas em aumentar sua competitividade. O que parece importante é estimular cada vez mais uma profunda reflexão sobre o assunto.

Neste sentido é interessante notar que as universidades corporativas (UCs) surgem no final do século 20, mesclando os enfoques das escolas clássicas (dirigidas à formação das classes dominantes, dando ênfase à transmissão do modo de ser e pensar, ou seja da ideologia vigente), e das escolas profissionalizantes (voltadas às classes instrumentais e dominadas, privilegiando o modo de fazer, ou seja, os aspectos técnicos e operacionais). Dessa forma, as UCs procuram desenvolver nos mais diversos públicos e categorias profissionais com os quais a empresa interage, tanto os componentes ideológicos quanto tecnológicos.

Deve-se salientar que programas educacionais nas empresas sempre existiram, mas normal¬mente eles eram restritos aos níveis gerenciais e à alta administração. Para a grande maioria dos funcionários havia programas de treinamento pontuais. Na medida em que o surgimento das UCs foi o grande marco da passagem do tradicional centro de treinamento & desenvolvimento (T&D) para uma preocupação mais ampla e abrangente com a educação de todos os colaboradores de uma empresa, na prática é com o seu advento que vem à tona a nova modalidade de educação corporativa. Assim sendo, ao longo deste artigo, universidade corporativa e educação corporativa serão aplicados como termos equivalentes.

Parece inquestionável a relevância que as áreas de T&D estão adquirindo sobre as demais funções da gestão de pessoas. A migração do T&D tradicional para a educação corporativa ganhou foco e força estratégica, evidenciando-se como um dos pilares de uma gestão empresarial bem sucedida.

A Revolução silenciosa na gestão empresarial brasileira

No Brasil, a adoção do conceito de educação corporativa começou na década de 90, com o advento de um mercado cada vez mais globalizado, pressionando assim as organizações a investirem na qualificação de seus colaboradores e comprometerem-se com seu desenvolvimento contínuo, como um elemento-chave na criação de diferencial competitivo.

Hoje temos aproximadamente 120 organizações brasileiras ou multinacionais, tanto na esfera pública quanto privada, que já implementaram sistemas educacionais pautados pelos princípios e práticas de UC.

Implementar um sistema de educação estratégica, nos moldes de uma UC, é condição essencial para que as empresas desenvolvam com eficácia seus talentos humanos. O impacto positivo nos resultados do negócio decorrente da adoção desses sistemas educacionais estratégicos e competitivos sem dúvida é o principal fator que tem incentivado um interesse crescente peio tema, no mundo corporativo e na academia.

Educação setorial: parcerias para ampliar as condições de competitividade

A constatação de que treinamento, desenvolvimento e educação ganharam força em relação às práticas de gestão empresarial parece amplamente absorvida pelos líderes empresariais brasileiros preocupados em atingir e consolidar padrões superiores de competitividade.

As UCs marcaram a chegada do 4° grau: a educação continuada, a cargo dos maiores interessados, as empresas, que sabem que educação gera competência, que se transforma em qualidade, que promove maior competitividade, que por fim resulta em lucro.

Nada mais a inventar? Nem pensar! A conseqüência mais previsível era a união de empresas, concorrentes no mercado, mas parceiras no aprimoramento das pessoas, dando surgimento ao que tenho denominado de universidades setoriais. Valem basicamente os mesmos conceitos aplicados às UCs. Só que o foco não é uma empresa e sim um conjunto de empresas, obtendo-se assim ganhos em escala.

Uma vez que formar e atualizar continuamente um empregado é uma tarefa complexa, audaciosa e onerosa, é normal que as micro e pequenas empresas tenham mais restrições e dificuldades para conceber e implantar projetos eficazes de educação permanente. No entanto, não se pode desconsiderar o forte impacto das micro e pequenas empresas na economia brasileira, segundo Silvano Gianni, diretor-presidente do Sebrae:

"As empresas de pequeno porte empregam metade dos trabalhadores de carteira assinada. Se somarmos os empreendimentos informais, podemos estimar, por alto, que quase 65% da PEA (População Economicamente Ativa) está nas micro e pequenas empresas. Não há como gerar renda e ocupação em massa, portanto, sem fortalecer os pequenos negócios."

Para equacionar este problema, tem-se observado um movimento crescente no Brasil de experiências bem-sucedidas de projetos de educação para setores de atividades específicos, ou para determinadas categorias profissionais. São associações, sindicatos ou organizações não governamen¬tais que estão realizando profícuas e revitalizadoras parcerias, muitas vezes envolvendo algumas universidades, institutos técnicos ou de ensino superior. O objetivo é formar profissionais com o perfil de competências exigido pelo setor, e também promover a gestão do conhecimento setorial mediante a realização de pesquisas e prestação de serviços.

Essas novas parcerias estão ativamente envolvidas em garantir que as necessidades de capacitação da força de trabalho sejam atendidas, por meio da criação de programas conjuntos de educação, e desenvolvam-se assim as competências necessárias para o sucesso numa determinada indústria ou setor produtivo.
As principais experiências no Brasil são:

•Educação Corporativa do SENAC-SP;
Rede Estratégica das UCs criada pela Confederação Nacional das Indústrias, tendo em vista a quantidade de projetos hoje existentes no Sistema CNVIEL/SESI/SENAI,
UnDistribuição, uma iniciativa do ABGroup apoiada por várias associações como Associ¬ação Brasileira de Supermercados (Abras), Associação Brasileira dos Atacadistas e Distri¬buidores, Associação Brasileira das Indústrias de Alimentos e Associação Nacional do Transporte de Cargas;
•UniSESI, (Universidade Virtual do SESI);
•Universidade ABRANGE, da Associação Brasileira de Medicina em Grupo;
Universidade Corporativa da Indústria da Paraíba (UCIP), inaugurada no final de 2003, com o objetivo de executar programas e projetos relacionados à implantação de servi¬ços de inovação, educação e/ou formação de talentos humanos do sistema produtivo da Paraíba e da Região Nordeste;
Universidade de Alimentos (UAL), no Paraná, um projeto liderado pela Kraft Foods Brasil que por meio de parcerias com o Governo do Estado do Paraná, Prefeitura da Cidade de Curitiba e PUC-PR e SENAI-PR, já qualificou mais de 3 mil novos profissionais para atuação na indústria alimentícia;
Universidade SECOVI, promovida pelo Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Loca¬ção e Administração de Imóveis Residenciais e Comerciais de São Paulo;
•USEn — Universidade Sebrae de Negócio, em Porto Alegre.



Resumidamente podemos dizer que essas experiências têm como objetivos comuns:

 Desenvolver competências críticas para aumentar o padrão de desempenho do setor de atividade;
 Tornar-se um pólo de irradiação de conhecimentos e formação de profissionais para o setor;
 Propagar crenças e valores do setor de atividade (cultura setorial) e do seu ambiente dos negócios;
 Formar categoria de profissionais competentes para gerar o sucesso do setor e das empresas componentes de toda sua cadeia produtiva;
• Aumentar o valor de mercado das categorias profissionais envolvidas.

Considerações finais

"O papel dos centros de capacitação nas empresas e organizações e o próprio processo de aprendizagem em situação de trabalho precisam lidar com o fato de que os adultos chegam ao mercado sem qualificações adequadas para atuar em um meio em que a comunicação escrita e a capacidade de abstração são pré-requisitos. Assim, unidades que coordenam a educação corporativa têm que, muitas vezes, completar a formação escolar básica. Sem pilares sólidos, não há educação continuada sustentável."
Claudia Costin

Desenvolver uma estrutura de rede de educação, por meio de uma associação ou sindicato empresarial de um determinado setor produtivo, voltada a disponibilizar conhecimentos de interesse das empresas congregadas, com certeza ajuda a promover a capacitação e o aperfeiçoamento de suas categorias profissionais.

Essas redes de educação, de modo geral, se inserem no contexto da ação principal da entidade, fornecendo meios para apoiar os esforços de melhoria da competitividade das empresas associadas e de seus respectivos setores produtivos.

Neste sentido, pode-se dizer que estes sistemas de educação empresarial, sejam corporativos ou setoriais, geram um impacto positivo na competitividade das empresas, dos setores produtivos e conseqüentemente do país.

Atento a este fato, o Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior coordenou no final do ano de 2003 a 1ª Oficina de Educação Corporativa: Oportunidades e Desafios, com participação de representantes do Ministério da Educação e Cultura, do Ministério da Ciência e Tecnologia, do Ministério do Trabalho e Emprego, do Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia, do Serviço Nacional da Indústria — SESI/CNI e, obviamente, de empresas que já implantaram com sucesso seus sistemas de educação corporativa.

O objetivo principal dessa oficina era iniciar uma reflexão importante e urgente: a educação corporativa contribui efetivamente para o desenvolvimento do país? Como articular a relação entre educação corporativa e o governo federal? Ela deveria receber o reconhecimento e o estimulo oficial, através da implementação de políticas e mecanismos oficiais de apoio e regulação?

A relevância de tais discussões gerou um novo encontro, em maio de 2004, com o objetivo de aprofundá-las. Tendo em vista o notável crescimento das atividades de educação corporativa no Brasil e o conseqüente surgimento de necessidades específicas nesse âmbito, a evolução natural deste movimento foi a união das maiores empresas do Brasil na criação da Associação Brasileira de Educação Corporativa (ABEC).
Dentre os vários objetivos da entidade merece destaque o de "fortalecer o papel estratégico da Educação Corporativa, integrando as organizações para criar oportunidade de desenvolvimento profissional para o trabalhador e estimular a profissionalização".

Pessoalmente acredito que a educação corporativa e setorial contribuem de maneira efetiva para o desenvolvimento do país, na medida em que influenciam positivamente as dimensões social, econômica e tecnológica.

No entanto, com relação a receber estimulo oficial, através da implementação de políticas e mecanismos de apoio confesso que ainda tenho dúvidas e inquietações. Seria realmente adequado, em um país com escassos recursos públicos para educação, haver incentivos por parte do Governo para as empresas implementarem seus Sistemas de Educação?

Oportuno relembrar as palavras de Cláudio Moura Castro em versão resumida de um artigo escrito por ele e por João Batista Araújo e Oliveira (publicado no Jornal do Brasil, em 1990) que foi publicada recentemente na sua coluna da revista Veja:

"[...] já era claro que alfabetizar (adultos ou crianças) seria apenas um primeiro passo para a educação. Se os outros passos não forem dados, seja com crianças, seja com adultos, nada se obtém de relevante — como demonstram incontáveis pesquisas. Com relação aos adultos, o problema maior não é o analfabetismo, mas uma educação interrompida antes de dar frutos. Ler e escrever são meras técnicas, pré-condições para abrir as portas do conhecimento."


Penso que estas reflexões, além de constituírem uma contribuição importante para o entendimento sobre os desafios e perspectivas que se colocam para a capacitação empresarial, também interessam a todos que lutam por um sistema nacional de educação de qualidade. Exige, no entanto, que todos os atores sociais envolvidos participem deste processo e que se integrem os esforços na esfera pública e privada, para a formulação de políticas e práticas educacionais integradas, eficazes e competitivas.



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Texto retirado do Seminário "Gestão de Pessoas no Setor Público", realizado entre 11 e 13 de maio de 2005.


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